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O que pode um player do chamado sul global

Foto: O júri com a realizadora que ganhou o prêmio Teddy de melhor curta-metragem (à esquerda, com o troféu) / Divulgação

por Luís Fernando Moura

Na cerimônia de encerramento do TEDDY Awards, na última sexta-feira, o júri TEDDY, de que fiz parte ao lado de mais 4 pessoas de diferentes continentes, decidiu unanimemente redigir e ler uma manifestação para denunciar a situação na Palestina, em Gaza, e questionar a posição das instituições no Ocidente e na Alemanha. Durante as entrevistas que demos no palco ao longo da cerimônia, um dos meus colegas chegou a comentar que as políticas globais têm muito a aprender com o histórico das políticas queer e seus sentidos abrangentes de liberação.

Eu, por outro lado, lembrei na cerimônia que um aprendizado “queer” no interior da indústria de cinema pode contribuir para mover também a indústria mesma, primeiro do ponto de vista artístico, político: interrogar as noções de global e local, as expectativas de olhares estrangeiros, as convicções sobre valores de produção. E então do ponto de vista econômico, desenvolvo aqui: podemos atuar dentro de plataformas europeias como a Berlinale através de pequenos gestos, de sinalização e troca, e doravante, tomados os vínculos que estabelecemos no mercado ou no festival, de movimentos coletivos que possam constituir redes transversais e se dirigir à sustentabilidade de um ecossistema ampliado, no qual nos correspondamos mais do que dependamos.

Em texto para este mesmo CCBA, minha colega Thaís Vidal, que atuou no European Film Market este ano, lembrou que, como players do sul no global, precisamos aprender a lidar com um ambiente, afinal, localizado, a Europa, que em vários sentidos dita a escala dos caminhos globais dos mercados do cinema independente, muitas vezes determinando as condições em que se espelham as possibilidades de criação. Creio que a participação de profissionais do sul em espaços como a Berlinale é substantiva não apenas para que saibamos como trilhar no mercado internacional, mas para que progressivamente possamos torná-lo mais saudável: ou seja, para que possamos instituir, pouco a pouco, novas zonas de equilíbrio econômico e simbólico.

Poderíamos, da Berlinale em direção ao futuro, ampliar as plataformas no sul através de pactos intrarregionais e transcontinentais alternativos, paralelos e correspondentes, no sentido de que não dependamos de territórios específicos para que fazer filmes seja sustentável. Podemos ver o que ocorreu em territórios como Índia, Argentina, Coreia do Sul, com políticas específicas, e além – o que se passa em acordos como Mercosul, ou Mercosul/União Europeia, CPLP, Brics: será oportuno, como comunidade produtora de cinema, que ensinemos ao Estado e às instâncias de convivência colaborativa entre Estados e regiões o que é necessário e possível para que o cinema que desejamos seja viabilizado como atividade expressiva e econômica, tendo em vista a possibilidade de fazer filmes como manifestação artística e a garantia de ambientes de circulação plurais, de aprendizados mútuos e para outras geografias.

EFM – European Film Market e a busca pela coprodução

Por Thaís Vidal

Produzir e financiar um filme no Brasil atualmente é algo possível e ainda mais agora com a mudança de gestão federal – que mudou radicalmente a situação que foi vivida nos últimos anos na cultura – e a retomada dos fundos nacionais para o cinema. Mas então fica a questão: por quê coproduzir com outros países?

A primeira resposta é muito simples: internacionalização do projeto, entrada internacional antes mesmo dele ser filmado, o que pode possibilitar janelas de exibição e venda para o seu filme, tanto no território latino americano, quanto no europeu, americano, asiático, africano.

Vivemos em um mundo bastante eurocêntrico e com o cinema não é diferente então é preciso entender esse mercado sem deixar a essência do seu projeto. Ainda existe uma necessidade do exótico muito forte sobre o cinema latino, africano, não europeu, e como quem dita o mercado independente é a Europa, precisamos entender como acessar esses espaços como o EFM sem deixar nossas identidades, nossos cinemas.

Um dos fundos mais importantes da Alemanha o WCF – World Cinema Fund organiza dentro da programação da Berlinale o World Cinema Fund Day, onde realiza diversas mesas de debate durante o dia discutindo não apenas o fundo mas as estratégias e a difusão para mais territórios. Esse ano, destaco uma mesa específica sobre Cinema Africano, na qual trouxeram o recorte desse continente na atuação do fundo e também uma mesa sobre coprodução minoritária.

Durante os dias de EFM, entre 15 e 22 de fevereiro, circulam no espaço produtores, agentes de vendas, distribuidores e diversos profissionais do mundo todo e é realmente difícil participar sem uma estratégia. O mais importante em um ambiente como o EFM é entender com quem se fala e o quê se fala. Buscar produtores de seu mesmo patamar de capacidade produtiva, almejando relações mais concretas e efetivas é o primeiro ponto. Também entender por que escolher determinado país e não outro, determinada empresa e não outra e eleger cada projeto seu para cada interlocutor.

A coprodução vai te trazer exigência burocráticas e legais significativas então ela precisa ser muito bem discutida e acordada entre as partes visando o melhor para o filme.

Conexão Recife – Berlinale 2023

CCBA marca presença no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale)

Por Marina Mahmood

Hoje inicia a 73º edição de um dos festivais audiovisuais mais importantes do mundo: Entre os dias 16 e 26 de fevereiro, na cidade de Berlim (Alemanha), acontece o Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale).

O festival alemão foi criado em 1978 e, desde então, ocorre anualmente no mês de fevereiro trazendo produções audiovisuais de destaque global. Os filmes exibidos durante o evento concorrem a diversos prêmios, como o Urso de Ouro (Goldener Bär) e o Urso de Prata (Silberner Bär).

A novidade este ano é que o CCBA está enviando a produtora de cinema e sua ex-aluna, Thaís Vidal, para representar o centro no festival. Em Dezembro de 2022, durante debate no Kulturforum no CCBA, Thaís levantou a importância de firmar parcerias internacionais para ampliar o mercado artístico local em Recife (PE) e no Brasil, expandindo formas de captação de recursos pela realização de cooperações e coproduções internacionais.

>> Confira a matéria sobre o Kulturforum na íntegra: http://www.ccba.org.br/kulturforum-promove-debate-sobre-cooperacao-cultural-e-politicas-publicas-na-arte/

Com a ida à Berlim, a ideia é que Thaís consiga sondar possibilidades de cooperações internacionais no campo audiovisual entre Brasil e Alemanha. A viagem seria um pontapé inicial para abrir canais de comunicação entre os festivais de cinema alemães e a produção cinematográfica recifense, firmando possíveis parcerias, como por exemplo, o intercâmbio de filmes e de realizadores audiovisuais da Alemanha para o Brasil.

Além de Thaís Vidal, o CCBA apoiou a ida de Lorenna Rocha (pesquisadora, crítica cultural e curadora) à Berlinale. Este ano, Lorenna foi selecionada para o Berlinale Talents – programa de desenvolvimento de talentos do Festival Internacional de Cinema de Berlim (https://www.berlinale-talents.de ).

Dentro do programa, a pesquisadora vai participar de uma formação de crítica cinematográfica junto com pessoas de todo o mundo. A ideia da formação é que os participantes desenvolvam a escrita através das aulas e que realizem uma cobertura crítica do festival publicando textos no site: https://www.talentpress.org/

Recentemente, um dos festivais que Lorenna participou enquanto curadora foi o Janela Internacional de Cinema do Recife. Com o apoio oferecido à Lorenna, o CCBA espera contribuir também com a curadoria da programação do Janela Internacional deste ano (2023).

Confira o site da Berlinale: https://www.berlinale.de/en/home.html

Saiba Mais: https://www.goethe.de/prj/hum/pt/deu/ber/24523813.html

BIOGRAFIA

Thaís Vidal

Thaís Vidal (Recife, 1990) é roteirista, produtora e diretora, Mestre em Roteiro audiovisual (2021) pela Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, Cuba. Graduada em Jornalismo (2012) pela UFPE e também Mestre em Planejamento Urbano (2017), cursa atualmente Doutorado em Cinema (2020-2024) pela mesma instituição. Em 2014, lançou seu primeiro curta como roteirista e diretora, o documentário Fora da Ordem. Em 2015, fundou a Ponte Produtoras, empresa focada na produção de longas e curtas-metragens de ficção e documentário de jovens realizadoras e realizadores. Produziu filmes exibidos em grandes festivais como Semana da Crítica de Cannes, Locarno Film Festival, La Havana, Festival de Brasília, Festival do Rio, dentre muitos outros, alguns lançados comercialmente. Seu primeiro roteiro de longa, Sensor de Ausência, está em desenvolvimento, na fase de captação de recursos e conta com coprodução da Vitrine Filmes, tendo sido escrito no mestrado em Cuba e assessorado por grandes nomes da EICTV. Thaís faz parte da Rede Paradiso de Talentos. Em 2022, realizou curadoria para o concurso FRAPA de roteiros de longa e colaborou na escrita do roteiro do próximo longa do diretor Marcelo Lordello.

Redes sociais:

https://www.instagram.com/vidal.a.thais/

Lorenna Rocha

Historiadora (UFPE), pesquisadora, crítica cultural e programadora. Co-fundadora da INDETERMINAÇÕES https://indeterminacoes.com/ – plataforma de crítica e cinema negro brasileiro (PE/MG). Editora-chefe da camarescura – estudos de cinema e audiovisual (PE). Integrou a curadoria da edição especial do Janela Internacional de Cinema do Recife (2022) e das duas últimas edições do FestCurtas BH (2021, 2022). Desde 2019, ministra cursos e oficinas acerca dos cinemas e teatros negros brasileiros e da crítica.

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Diretor da Berlinale preocupado com rumos do cinema no Brasil (DW)

Novo diretor do Festival Internacional de Berlim, Carlo Chatrian falou à DW sobre a presença brasileira no evento e a situação do audiovisual no país. “Estamos muito preocupados”, afirmou o italiano, que convidou o cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho para integrar o júri da Berlinale 2020: “Achamos importante mandar um sinal para a indústria internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro”.

O Brasil alcança neste ano seu maior número de filmes escolhidos para uma edição da Berlinale. Serão 19 obras (produções e coproduções) participando das diferentes mostras que compõem a programação e o longa-metragem Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, concorre ao Urso de Ouro. 

“Temos uma grande diversidade. É a melhor resposta para quem diz que o cinema brasileiro não está vivo, e não deve ser financiado”, avalia o diretor do festival.

Confira a entrevista completa de Carlo Chatrian para a DW.

Quer saber mais sobre a atuação do CCBA, cursos de alemão e certificados oficiais, então visite o nosso site ou entre em contato pelo (81) 3421-2173.

Luís Fernando Moura compartilha suas expectativas para o Festival Internacional de Cinema de Berlim

O curador e pesquisador Luís Fernando Moura é o autor dos textos que serão publicados no site da Conexão Berlinale nos próximos dias. Antes de embarcar para a terceira experiência dele no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o pernambucano falou sobre as expectativas em relação ao evento.

Luís Fernando Moura também comentou sobre as viagens anteriores, também realizadas por uma parceria entre o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA) e o Festival Internacional Janela de Cinema do Recife, do qual ele é coordenador de programação. Características dos dois eventos fazem parte da entrevista a seguir.

EUGÊNIA BEZERRA – Poderia falar sobre sua relação com o Festival de Berlim e relembrar um pouco da experiência anterior de parceria entre o Janela com o CCBA?

LUÍS FERNANDO MOURA – É a minha terceira vez no festival, após as edições de 2016 e 2017, sempre em parceria entre o Janela e o CCBA. Dessas viagens vieram descobertas de filmes e contatos com pessoas que vêm se refletindo no Janela desde então, às vezes por meio de pontes cujos efeitos são diretos.

Em 2016, conheci 1 Berlin-Harlem, de Lothar Lambert e Wolfram Zobus, no Kino International, uma sala de cinema impressionante na Berlim Oriental. É um filme do underground alemão de 1974 que cria uma narrativa da liberdade no ambiente da Guerra Fria, e que encontrou bem a noção de desobediência que inspirou aquela edição do Janela, daí que terminamos por exibi-lo na mesma cópia em 35mm no Cine São Luiz, em parceria com a Cinemateca Alemã, certamente uma exibição inédita deste realizador anônimo no Brasil, mas de reconhecimento longevo em meio a certa cinefilia alemã interessada nas bordas e nas alternativas da histórica artística. Foi um intercâmbio incomum, eu diria.

Em 2017, Let the summer never come again, algo como um épico errante georgiano-alemão de Alexandre Koberidze, residente em Berlim, tinha estreia mundial na Semana da Crítica de Berlim, evento paralelo ao festival, e depois de ganhar o prêmio do júri no FIDMarseille teve estreia brasileira na competição de longas do Janela, onde foi recebido como descoberta feliz de um filme de amor radical e do trabalho deste diretor jovem. Koberidze veio ao Janela com apoio da German Films, agência parceira com que travamos parcerias nas visitas à Berlinale, e que apoiou, no ano anterior, a viagem dos brasileiros Melissa Dullius e Gustavo Jahn para exibir seu Muito romântico, uma ficção biográfica com matizes de ensaio e cinefilia experimental em torno da mudança dos dois para Berlim, onde moram e fazem filmes em 16mm há mais de dez anos, no âmbito da produtora Distruktur.

Foi também nesta edição que fizemos parceria com os integrantes do Rabbit Hole, coletivo europeu que veio ao Janela exibir dois programas de filmes na interseção entre o cinema, as artes visuais, a cultura da rave e a experiência queer.

A Berlinale é um mundo imenso e há ali toda forma de ideia circulando. É possível entrar em contato com inúmeras visões de cinema, linguagem e sociedade, que de alguma maneira deslocam inspirações, contrastes ou ressonâncias para o processo curatorial do Janela, e isto tem como fonte ou meio o festival mas também a própria capital alemã, com os pequenos circuitos de conversa e troca que se formam no interior e no entorno das programações oficiais.

Vale notar que o Janela tem com alguma frequência feito estreias mundiais que posteriormente ganham primeira exibição internacional na Berlinale, como é o caso de Estás vendo coisas (2016) e Terremoto santo (2017), ambos de Barbara Wagner e Benjamin de Burca, e de Jogos dirigidos (2019), de Jonathas de Andrade, que vai ser exibido este ano na mostra Forum Expanded.

EUGÊNIA BEZERRA – Que características você destacaria no Festival de Berlim?

LUÍS FERNANDO MOURA – Bom, junte-se perfis do evento e da cidade e talvez ele seja um festival com vocação para, digamos com a figura da hipérbole, abrigar virtualmente todas as características. É um festival de enorme apelo a um muito numeroso público, com dezenas de salas e centenas de filmes, às vezes com 4, 5, 6 exibições públicas cada um, fora as sessões de imprensa.

A paisagem é a de um grande centro expandido tomado por um festival, que é anunciado nos outdoors por todo lado, gera filas em pontos de venda, ocupa multiplexes e incríveis salas de rua. Um grande edifício na mesma região sedia o European Film Market, considerado o maior encontro do mercado do audiovisual no continente e que funciona como uma grande feira de negócios internacional. E há também o programa Berlinale Talents, que oferece diversos programas de formação e é talvez o mais reconhecido do mundo – tem aliás edições também anuais, mais compactas e direcionadas, no Rio e em Buenos Aires, por exemplo. Há, neste sentido, do oficial ao extra-oficial, muitos grandes festivais no interior de um mesmo enorme festival de múltiplos horizontes, que abrange muitos mercados e as mais diversas formas de atuação nesses mercados: desde a competição oficial, que inclui o pacote tapete vermelho e o Palácio Marlene Dietrich, exibindo filmes que esperam distribuição expressiva no chamado mercado alternativo internacional, até a Forum Expanded, mostra dedicada ao cinema experimental que veio nos últimos anos ocupando principalmente os cinemas do Arsenal, ligados à Cinemateca, e a Akademie der Künste, ótimas salas de cinema com ar de cineclube — e há ainda as retrospectivas, a competição de curtas, a Forum, a Panorama, a Generation e a nova seção Encounters.

São cerca de 400 filmes por ano. A eles se soma ainda a Semana da Crítica, um evento jovem, concebido pela crítica independente alemã, que tem se destacado a partir de uma postura antagônica (em sentido generoso, mas firme) ao modelo de grande festival panorâmico, e que faz ótimas sessões de uma dezena de filmes contemporâneos com debates na sequência, sob curadoria criativa, e que tem de alguma forma se integrado transversalmente ao festival (farão a estreia alemã de Sete anos em maio, filme de Affonso Uchôa eleito melhor curta brasileiro no último Janela, onde recebeu também o prêmio de aquisição do Canal Brasil) – em suma, há outros diversos pequenos eventos que se acumulam pela cidade, como a Boddinale, uma Berlinale micro, local e às vezes algo anarquista. Me parece que há aí festivais, subfestivais e contrafestivais num diálogo urbano de dimensões no mínimo plurais, e que movem também as comunidades berlinenses, seja pela adesão ou pelo tensionamento.

EUGÊNIA BEZERRA – Quais são as suas expectativas enquanto curador e pesquisador para esta edição do festival?

LUÍS FERNANDO MOURA – Estou bem curioso com as mudanças na curadoria do festival. Este é o primeiro ano de direção artística de Carlo Chatrian, egresso do Festival de Locarno, e de certa forma ele parece ter trazido algum sabor de Locarno para se juntar ao de Berlim. Note-se, por exemplo, a presença do filme de Marco Dutra e Caetano Gotardo na competição oficial. Há três anos, Marco Dutra exibiu (com Juliana Rojas) na competição do festival suíço. Aliás, é uma seleção atraente que me parece se posicionar de maneira consciente entre, digamos, hegemonia e contra-hegemonia.

Há filmes novos, por exemplo, de Tsai Ming-Liang e de (como sempre) Hong Sangsoo, mas também de Abel Ferrara e de Kelly Reichardt, Rithy Panh ou Christian Petzold. Me parece que cada um desses nomes acena para uma nota de cinefilia particular, sendo que temos ao fim um conjunto de realizadoras e realizadores instigante, mais arrojado que nos últimos anos.

A Panorama também mudou de direção, agora sob comando de Michael Stütz. Esta seção tem como perfil um espectro mais amplo do mercado de cinema, a seção mais volumosa e em geral bastante politizada no sentido mais imediato da palavra, muito diversa e que tende a buscar um contato mais direto com os públicos. Fico curioso porque Michael, ainda que seja um dos programadores da seção há muitos anos, é ex-diretor do Xpanded, ótimo festival de cinema queer berlinense, e é também um dos principais nomes à frente do Teddy, eixo LGBT da Berlinale. Tenho a sensação de que, estando à frente da Panorama, empresta a ela uma energia interessante.

Particularmente me atrai a nova seção competitiva Encounters, que traz 15 longas na chave artística da invenção e vai estrear títulos como os novos de Matías Piñero e Camilo Restrepo, também veteranos de Locarno (posso dizer que o Janela introduziu bem no Brasil o trabalho de Restrepo em curta-metragem). Essa edição será também um teste de novas apostas para celebrar os 70 anos da Berlinale. Ainda mais curiosidades: a mostra expositiva dedicada à cineasta guarani Patrícia Ferreira no interior da Forum Expanded, curada por Anna Azevedo. A programação de 50 anos da mostra Forum, que além dos filmes de 2020 vai reexibir a programação de 1971.

EUGÊNIA BEZERRAImagino que seja difícil escolher o que assistir com tantas opções… Existem temas ou eixos que lhe interessam mais nesta edição?

LUÍS FERNANDO MOURA – O Janela, e meu trabalho de pesquisa em geral, não é exatamente direcionado à pesquisa de um mercado específico (dito de outro modo, me interessam e interessam ao Janela tamanhos diferentes de filme, maneiras diversas de perceber e acessar o que podemos chamar, de maneira mais ampla, artes fílmicas), então como habitual vou distribuir a atenção entre diferentes seções. Tenho costumado acompanhar mais de perto a seção Forum, que trata do cinema independente com um interesse mais detido na pesquisa de formas, mas a nova seção Encounters se apresenta como outra constelação neste sentido.

Em geral me interessa até menos a competição oficial, onde os riscos são menores, e aliás a probabilidade dos filmes mais interessantes entrarem em cartaz no Brasil antes das datas do Janela é considerável, mas este ano há alguns bons filmes de interesse ali. Com isso quero dizer que também na competição oficial me parece que se investiu na exploração das relações entre crítica e poética, entre integração e dissidência, entre crise e clínica, e que fazem do cinema um bom território de questões e energias – ao menos se considerarmos os universos programados a partir de obras e circuitos pregressos. Me interessa perceber como o festival organiza essas relações dissensuais e como, em especial, os filmes as abordam e as provocam.

Claro, me interessam filmes, filmografias, diretoras e diretores específicos que trabalham na limitrofia, sejam seus programas artísticos mais ou menos convencionais, mais ou menos midiatizados, mais ou menos reconhecidos.

EUGÊNIA BEZERRA – Poderia comentar sobre como a presença em um festival internacional contribui para o trabalho de um curador? Imagino que, junto com a oportunidade de ver filmes de diversas partes do mundo, a possibilidade de conversar com artistas, curadores, críticos e o público deve ser algo enriquecedor…

LUÍS FERNANDO MOURA – Sim, é sempre uma maneira de pôr o olhar em movimento, de criar afinidades, de renovar e colocar em crise, no bom sentido, as percepções sobre as diferentes escalas de circulação e sobre os universos de criação.

EUGÊNIA BEZERRA – Falando especificamente sobre a sua experiência com o Janela, consegue identificar algum ponto em que a ida a Berlim teria contribuído para o seu trabalho, para seu olhar sobre o festival recifense ? 

LUÍS FERNANDO MOURA – A Berlinale é um festival que, obviamente, opera numa escala muito diferente da do Janela. Dito isso, os tantos festivais no interior da Berlinale, em particular as tantas seções, que são cada uma um festival, cada uma concebida sob certos critérios, buscas e desejos particulares, expõem também princípios próprios, inclinações políticas e um raciocínio próprios, uma cerimônia própria diante das ideias de organizar, exibir e apresentar filmes.

Para além de um ou outro filme, estas impressões em torno do ofício de curadoria são inevitavelmente apreendidas e levadas para o nosso exercício particular no Janela, um modelo de pôr filmes juntos que sinto que é muito nosso no festival, e que tem a ver com trabalhar numa escala pequena mas que seja capaz de articular tanto uma riqueza de modos e caminhos quanto propostas de desvio e pergunta, e que têm no horizonte tanto um diapasão global, atento aos intercâmbios, quanto à percepção do Recife, do público recifense, e do circuito e dos debates brasileiros, que nos movem localmente e como comunidade no interior de um estado e de um país.

Os festivais são pertinentes, no sentido de que eles só fazem sentido em certo espaço-tempo que é particular a eles, cada um deles, e nessa relação entre o próprio e o outro está a capacidade de uma curadoria mover ideias e experiências, que se espraiam pelas coletividades.

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CCBA e Janela de Cinema são parceiros na Conexão Berlinale 2020

O 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim está prestes a começar e, mais uma vez, o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA) promove a Conexão Berlinale, iniciativa focada no exercício da crítica cinematográfica. A cada ano, em parceria com veículos de comunicação e festivais, o CCBA tem apoiado a ida de jornalistas e curadores ao festival conhecido como Berlinale. Em 2020, o pesquisador e curador Luís Fernando Moura vai acompanhar a programação que se espalha por diferentes pontos da capital alemã de 20 de fevereiro até 1º de Março.

Coordenador de Programação do Festival Janela Internacional de Cinema do Recife, Luís Fernando também participou da Conexão Berlinale em 2016 e 2017. “A Berlinale é um mundo imenso e há ali toda forma de ideia circulando. É possível entrar em contato com inúmeras visões de cinema, linguagem e sociedade, que de alguma maneira deslocam inspirações, contrastes ou ressonâncias para o processo curatorial do Janela, e isto tem como fonte ou meio o festival mas também a própria capital alemã, com os pequenos circuitos de conversa e troca que se formam no interior e no entorno das programações oficiais”, avalia Luís Fernando Moura.

“Estou bem curioso com as mudanças na curadoria do festival. Este é o primeiro ano de direção artística de Carlo Chatrian, egresso do Festival de Locarno, e de certa forma ele parece ter trazido algum sabor de Locarno para se juntar ao de Berlim. Note-se, por exemplo, a presença do filme de Marco Dutra e Caetano Gotardo na competição oficial. Há três anos, Marco Dutra exibiu (com Juliana Rojas) na competição do festival suíço. Aliás, é uma seleção atraente que me parece se posicionar de maneira consciente entre, digamos, hegemonia e contra-hegemonia”, observa o curador e pesquisador (confira a entrevista completa de Luís Fernando Moura para o CCBA).

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Filme brasileiro Todos os Mortos concorre ao principal prêmio da Berlinale 2020

O longa-metragem Todos os Mortos, de Marco Dutra e Caetano Gotardo, conta histórias de mulheres que viviam na São Paulo de 1899 e 1900. Esse drama é uma das 19 produções brasileiras que participam da Berlinale 2020, exibidas nas diferentes mostras que compõem o evento, de 20 de fevereiro até 1º de Março. A Assinatura da Lei Áurea (1888) e a Proclamação da República Brasileira (1889) eram acontecimentos recentes no período retratado no filme Todos os Mortos.

“Escolhemos aqueles dois anos porque neles identificamos, mesmo com toda a transformação da época, estruturas que infelizmente permanecem até hoje. Falar sobre a herança da escravidão permite abordar temas como desigualdade social, o trabalho, a presença do negro na cultura e na sociedade”, afirmou Marco Dutra para o crítico Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de São Paulo. 

Na sinopse do filme, os cineastas comentam que “os fantasmas do passado ainda caminhavam entre os vivos”. “As mulheres da família Soares, antigas proprietárias de terra, tentam se agarrar ao que resta de seus privilégios. Para Iná Nascimento, que viveu muito tempo escravizada, a luta para reunir seus entes queridos em um mundo hostil a conduz a um questionamento de suas próprias vontades. Entre o passado conturbado do Brasil e seu presente fraturado, essas mulheres tentam construir um futuro próprio”, dizem eles no texto sobre a obra. 

“Estamos muito satisfeitos com o trabalho, e curiosos para ver como será recebido, no País e fora, nesse momento em que o olhar internacional está tão voltado para o Brasil”, completa Marco Dutra na mesma entrevista ao Estadão (confira o texto na íntegra). 

O cinema brasileiro tem mesmo se destacado no Festival de Cinema de Berlim. Há alguns anos, outro drama situado relacionado a um momento marcante da história do Brasil, Joaquim, do pernambucano Marcelo Gomes, sobre Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), também concorreu ao Urso de Ouro. Mas é preciso lembrar que este olhar para a história presente nos filmes em questão tem sido acompanhado de reflexões contemporâneas sobre os rumos do País. 

SAIBA MAIS

 Aproveitando as notícias sobre a Berlinale 2020, a jornalista Juliana Domingos de Lima escreveu sobre a importância da internacionalização para o cinema nacional em texto publicado no portal Nexo. “Em edições recentes, o país tem ficado atrás, em número absoluto de títulos selecionados, apenas da Alemanha, anfitriã do evento (em que há mostras específicas para o cinema alemão), e de França e Estados Unidos, conhecidos por suas indústrias cinematográficas pujantes”, contabiliza (confira o texto na íntegra).

Para informações sobre cursos de alemão, certificados oficiais, intercâmbio e projetos nos quais o CCBA está envolvido, visite o nosso site ou entre em contato pelo (81) 3421-2173.


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