Foto em destaque: Jurados do TEDDY e programadores da Berlinale 2024.

Luís Fernando Moura

Estou na Berlinale em 2024 convidado para participar do júri da 38a edição dos TEDDY Awards, viajando com apoio da Embaixada do Brasil em Berlim/Instituto Guimarães Rosa e apoio complementar do CCBA. Acho sempre importante destacar esses apoios pois eles revelam o papel ativo das instituições de Estado e de intercâmbio cultural na colaboração indireta para a promoção da participação brasileira em plataformas de impacto global, e isso é para mim um dos detalhes mais preciosos na minha vinda ao festival esse ano. Entendo que venho pela via das políticas de cultura e diplomacia, ligadas ao desenvolvimento econômico e simbólico do ponto de vida não de players da indústria, mas do desenvolvimento humano.

Foto: Luís Fernando Moura / divulgação

É nesse lugar que busco construir uma contribuição para o TEDDY, considerado o júri “queer” mais importante globalmente, ou seja, um júri que atua na vinculação entre cinema e temáticas LGBTQIAPN+. É realmente um trabalho de criação ativa de um ponto de vista transcontinental sobre os filmes, leve-se em conta, para ilustrar e mostrar, que é neste ano composto por profissionais de cinema de lugares tão distantes no mapa como Brasil (meu caso), Paquistão, Dinamarca, El Salvador/Chipre e Nova Zelândia/Austrália.

São também profissionais que atuam em distintas áreas: pesquisa, curadoria e programação (como é meu caso), mas também atuação, ativismo e realização. São colegas de júri de trajetórias e origens muito distintas se dedicando afinal a filmes também de muito variadas formas de cinema, já que este é um júri que se debruça sobre uma seleção de filmes transversal a todas as seções da Berlinale: do cinema mais propriamente considerado experimental ao cinema de ficção mais convencional, estamos vendo, lado a lado, filmes que vêm de universos por vezes radicalmente diferentes: geográficos, simbólicos, econômicos, políticos.

A questão que se mantém, dia a dia, é um território em comum que possa dirigir um ponto de vista, no campo da ideia de “queerness”, em tempos de horror do ponto de vista das políticas globais, e de tensões que mostram os limites das instituições como mediadoras da proteção à vida humana ou do freio à limpeza étnica pela ação ocidental mesma, embora muitas vezes o cinema independente busque ocupar esse lugar de expiação, e tantas vezes venha a nos trazer algum conforto que em dias como esses se torna insustentável. Estamos cercados por contradições de todos os níveis, e é necessário enfrentá-las.

Enquanto a Berlinale se construiu como plataforma global para uma discussão política sobre o cinema – feita, claro, aos modos de uma grande indústria radicada na Europa Central, com todas as implicações que daí advêm, e que revelam também sua natureza “local” –, ao TEDDY se reserva um espaço de atuação com marcas da independência que é de sua natureza. Embora seja buscado na indústria e esteja no coração da Berlinale, é também um projeto cujo sentido político (e econômico) foi construído transversalmente, ligado aos movimentos de sexodissidência e dissidência de gênero que emergiram nos centros de Berlim e que se instalaram na engrenagem da Berlinale.

Na noite de sexta (16), o júri foi apresentado numa recepção pública, podendo se introduzir à comunidade por trás da história do próprio TEDDY, a profissionais de cinema e a pessoas em Berlim que vêm atentas, de perto, entender a feição do júri ano a ano. Acredito que tenha sido um primeiro passo para a percepção da pluralidade que se põe no horizonte, dos desafios em comum e de um primeiro movimento de caminhada em direção uns aos outros com as suas diferenças, em meios às suas diferenças e, se pudermos fazer um bom trabalho, também em direção às diferenças e o que elas venham a poder produzir de significativo no âmbito institucional em suas tantas dimensões. Sabemos que em 2024 há muito para se disputar.