Foto: Marina Mohmood/CCBA

Joelma, Comunidade do Passarinho

A prática da agricultura urbana se encontra essencialmente pautada na necessidade alimentar básica alocada nas periferias e nos centros das cidades à vista de toda dinâmica urbana. Romantizar sua prática não é o caminho.

Neste cenário, o Centro Cultural Brasil Alemanha no Recife em busca de ampliar o diálogo e estreitar relações entre os agentes da esfera pública, de organizações não governamentais, de atores sociais, e da comunidade acadêmica, promoveu em sua sede o último “Kulturforum” de 2023 com o tema “Agroecologia e Agricultura Urbana”. O evento contou com cerca de cinquenta participantes que colaboraram ativamente nas trocas de experiência e nas discussões acerca das perspectivas futuras e do contexto atual das práticas agroecológicas e da agricultura urbana que estão sendo desenvolvidas na Região Metropolitana do Recife – RMR.

O professor José Nunes, coordenador do curso de bacharelado em Agroecologia, Campesinato e Educação Popular da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e presidente da Associação Brasileira de Agroecologia – ABA, iniciou as discussões ressaltando que a prática da agricultura nos centros urbanos vem se estendendo e se intensificando desde os anos 70 com o crescente fluxo migratório originário do campo para as cidades.  Neste ponto vale ressaltar sua fala ao esclarecer que a sistemática da lógica produtivista não se aplica à proposta idealizada pela agroecologia, uma vez que, esta, se baseia em um desenvolvimento sustentável integrado e não exploratório. Há, sobretudo, uma importância destacada para a visibilidade das mulheres e o caráter representativo destas práticas.

A cidade do Recife apresenta hoje projetos já consolidados como o Centro de Saúde Alternativo da Muribeca – CESAM – que atuam frente à esta lógica. O CESAM está presente no bairro da Muribeca no Recife há 26 anos desenvolvendo trabalhos por mulheres a partir do saber popular no manejo de plantas medicinais. Giselda, uma das responsáveis do CESAM, enfatiza ao trazer para o debate a importância do saber popular para as novas gerações: “tem que saber fazer e passar para a frente porque senão morre junto com a gente”. Sua fala é seguida por uma reflexão do que é se enxergar como mulher dentro do contexto a qual estão inseridas, mulheres detentoras do saber com autonomia no conhecimento ancestral das plantas medicinais. Giselda, assim como as demais mulheres do CESAM presentes no Kulturforum, pontuaram quão importante é a evolução delas ao trabalharem juntas.

Experiências como essas são validadas a partir da constante aproximação de estudos científicos para comprovação da eficiência e legitimidade deste saber. A produção de remédios baseados em plantas medicinais e, até mesmo, o uso destas de forma direta, tem se tornado uma realidade em muitas comunidades da RMR.

Uma significativa contribuição acadêmica são os trabalhos coordenados pelo Professor do curso de Farmácia da UFPE, Luiz Soares. Conforme discutido pelo Professor há necessidade de um resgate de estratégia terapêutica para os profissionais de saúde para que estes possam incorporar em suas prescrições a recomendação dos remédios das ditas “farmácias vivas”. Alguns de seus estudos apontam para a análise química de plantas medicinais e os efeitos desta. Em sua fala, o Prof. Luiz Soares, além de outras questões, discorreu sobre projetos no sertão nordestino que utilizaram modelos de negócio cooperativistas para fomentar a produção e a geração de renda a partir da agricultura familiar com incentivo ao cultivo das farmácias vivas.

Além do CESAM outras experiências de práticas agroecológicas no contexto urbano foram enfatizadas no encontro, sendo representadas por Iniciativas, ONGs, Coletivos, Cooperativas ou Associações. Abaixo destacam-se alguns dos presentes:

  1. Na ocupação Aliança com Cristo a agroecologia é desenvolvida a partir das “Hortas Margaridas”, onde, apesar da problemática da luta por terras as mulheres persistem no cultivo de seus quintais produtivos.
  2. A ONG Kapiwara tem atuado no âmbito da agroecologia urbana com intuito de promover o caráter empreendedor dos produtores para geração de renda. A ONG atua, dentre outras frentes, na comunidade Entra Apulso e no bairro da várzea com o projeto de compostagem comunitária.
  3. O Coletivo Chié do Entra da comunidade Entra Apulso promove agroecologia não somente na comunidade, mas também em articulação com outros projetos sociais e iniciativas. A produção de sabão ecológico, compostagem e a promoção de palestras e oficinas são algumas das atividades desenvolvidas pelo Coletivo.
  4. Manga Rosa Agroecologia Urbana é um espaço de Agroecologia e Permacultura Urbana que está há 10 anos estrada da Batalha em Prazeres desenvolvendo atividades relacionadas à promoção da agricultura urbana e do desenvolvimento de um Sistema Agroflorestal Urbano.
  5. Na comunidade de Peixinhos, Olinda, a Horta Dandara a partir da produção de uma plantação comunitária e da compostagem. Toda produção da horta é utilizada para venda e plantio, mas também para suprir as necessidades da comunidade.
  6. O grupo de Saúde Condor e Cabo-gato define seu campo de experiência “uma prática social cujo motivação é a saúde, trabalhando as plantas medicinais na produção de fitoterápicos’. Nesse sentido se atentam para um saber reativado pela aproximação com e para a comunidade. O grupo trabalha conjuntamente ao Professor Luiz Soares.
  7. A Ong FASE esteve presente no Kulturforum e discorreu sobre seus projetos em torno da soberania e segurança alimentar nutricional de pessoas em situação de vulnerabilidade social. O intuito da ONG é potencializar suas ações em torno do direito à cidade, à alimentação, sobretudo, a uma alimentação saudável. Nesse sentido a ONG busca fomentação a relação com a produção de base agroecológica enfatizando que quem faz a agricultura urbana acontecer são as mulheres. Mulheres negras.
  8. A Casa da mulher no Nordeste é uma organização feminista com atuações no campo e na cidade, com sede no Recife e escritório no Sertão do Pajeú, em Afogados da Ingazeira.

Dentre os atores envolvidos na discussão, esteve presente o Secretário de Agricultura Urbana do Recife, Alexandre Ramos, o qual destacou veementemente os trabalhos recentes desenvolvidos pela Secretaria em parceria com as entidades civis, a exemplo das mencionadas anteriormente. No Congresso Brasileiro de Agroecologia – CBA – ocorrido em novembro deste ano (2023) no Rio de Janeiro foram apresentadas alguns desses trabalhos. Experiências positivas como cozinhas comunitárias com cultivo agroecológico, a exemplo do Jardim dos Saberes no bairro do Coque-Recife, também foram mencionadas.

O Secretário aponta para alguns desafios no que concerne à implementação de uma política pública sobre agricultura urbana. O primeiro desafio seria a construção de aporte documental de toda essa conjuntura para elaboração de uma política pública efetiva; O acesso às terras produtivas no contexto de centros urbanos e mecanismos facilitadores deste acesso; E a integração política de agricultura urbana com outras políticas da cidade, como as políticas de segurança alimentar, habitação, creches e etc. Sua fala é conclusiva no que diz respeito ao empenho que os agentes dentro da Secretaria estão tendo para mobilizar os atores sociais ativos para estreitar relações de trabalho em conjunto.

Um exemplo concreto de como a agricultura urbana se configura frente às necessidades alimentares dos grandes centros é a ocupação 8 de março, localizado no bairro de Boa Viagem-Recife. A sua localização em si já uma afronta ao sistema especulativo imobiliário e gera limitações de intervenção social no que diz respeito a medidas públicas de suporte às 375 famílias ocupantes. Algumas mulheres presentes no Kulturforum explicitaram a situação da ocupação. Segundo elas, todo o território possui uma organização pensada para auxiliar os moradores de forma compartilhada embora há a questão rudimentar e precária como a existência de apenas cinco banheiros que são utilizados para toda a comunidade. Mas, por outro lado, há uma oferta de reforço escolar para as crianças, uma horta comunitária com composteira para melhoria da terra para o cultivo e uma cozinha comunitária. A ocupação recebe ajuda a partir de articulações principalmente da ONG FASE e do Centro Sabiá. Além disso, as mulheres fazem o cultivo de plantas medicinais para suprir as necessidades remediáveis de saúde da sua população.

O encontro abriu uma oportunidade de articulação entre agentes de diferentes esferas de poder e trouxe à tona discussões e relatos daqueles que não apenas coordenam, mas que são diretamente afetados pelas práticas agroecológicas no contexto urbano. O Centro Cultural Brasil Alemanha possui um trabalho vasto no âmbito da agroecologia com o projeto AGREGA e visa, com este encontro, fortalecer ainda mais sua rede de apoio.