O artista Abiniel João Nascimento, com o projeto Autopografias, e o Coletivo Amarna, com Preta-Feira, são os dois contemplados do Prêmio Eduardo Souza de Artes Visuais 2019. Eles receberão bolsas do Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA) para o desenvolvimento de suas pesquisas com o acompanhamento das artistas Ana Lira (BRA) e Karen Packebusch (ALE).

Em agosto, haverá uma mostra de processos na sede do CCBA (o encontro foi adiado para que todos os envolvidos pudessem conversar com o público).

O performer e pesquisador Abiniel João Nascimento, de Carpina, propõe “abrir uma nova perspectiva para narrativas não-metropolitanas, sem interlocuções” com Autopografias. O projeto que o artista inscreveu no Prêmio Eduardo Souza de Artes Visuais é um desdobramento de duas obras produzidas por ele em 2018: Convite à alforria Doce, encardido.

“Em Convite à alforria marco em meu corpo um acordo de irmandade produzido por pessoas escravizadas em movimentos de fuga. Em Doce, encardido, evoco através de uma performance-ritual a memória de minha família em torno do engenho que por gerações foi seu local de labor; procurando conjurar os resquícios ancestrais presentes neste corpo”, afirma Abiniel.

O Coletivo Amarna (Amanda de Souza, Janaína da Silva e Priscilla Melo) propôs o desenvolvimento de uma pesquisa com audiovisual para o Prêmio Eduardo Souza de Artes Visuais. Na realização de Preta-Feira, as artistas consideram que as feiras livres são “pequenos quilombos urbanos de liberdade”.

“Feira livre é mais que um lugar de compra e venda, de monta e desmonta. É um lugar de tradição, aceitação social, onde gerações de famílias crescem entre barracas e boxes. São pessoas da periferia que buscam na feira existência, sobrevivência, exercitando todas as feiras suas resistências. Preta-feira desvenda um pouco o viver e o sobreviver nas feiras. Revela suas cores, vozes e diversidade. Mostra um pouco do dia-a-dia e da história de vida dos feirantes em Recife, como chegaram às feiras e sobretudo o porquê de ser feirantes”, afirmam as integrantes do Coletivo Amarna.

© Kupferstich-Kabinett, Staatliche Kunstsammlungen Dresden, Foto: Herbert Boswank 

 SELEÇÃO

O Prêmio Eduardo Souza de Artes Visuais 2019 propõe uma reflexão acerca das narrativas criadas sobre a população negrodescentente no Brasil tendo como ponto de partida a obra do alemão Zacharias Wagener (1614-1668) reproduzida acima. O artista nascido em Dresden pintou uma vista de um mercado público na hoje chamada Rua do Bom Jesus, no Recife, em que povos negros forçados à escravidão eram vendidos para comerciantes da região. A proposta deste edital é partir dos questionamentos gerados por esta imagem para refletir, dentro do campo das artes visuais, os espaços, estratégias, metodologias, técnicas, simbologias, ritualísticas ou quaisquer outros caminhos de materialização de respiro e reflexão crítica que visam tanto rever historicamente a narrativa oficial quanto descolar as narrativas negrodescendentes do peso da imagem e das experiências criadas pelo sistema escravista. 

Artistas, grupos ou curadores iniciantes e residentes em Pernambuco podiam participar (confira o edital). As 16 inscrições recebidas foram apreciadas por uma comissão curatorial. Abaixo, compartilhamos textos escritos pelas artistas Ana Lira (BRA) e Karen Packebush (ALE) sobre os selecionados:

Ana Lira, sobre o Coletivo Amarna

Identificar espaços de liberdade. Espaços de expansão e entrelaçamento, que permitem a construção cotidiana de políticas de existência. O projeto do Coletivo Amarna, Preta-Feira, articula questões simbólicas ao pensar a feira livre como um quilombo urbano e perceber os intercâmbios possíveis entre as dinâmicas familiares e coletivas.

A feira como extensão dos grupos familiares e a esses como microcosmo de uma coletividade atuante. Entre trânsitos, trocas de diversas naturezas ocorrem potencializando saberes, desdobrando estratégias de viver.

Para o Prêmio Eduardo Souza, a comissão avaliou que o projeto é relevante porque expande possibilidades de atuação, considerando as feirantes entrevistadas como co-participantes do processo – e não somente como algo que se deve falar sobre.

Karen Packebush, sobre Abiniel João Nascimento

A arte não se articula exclusivamente pelo entendimento histórico da criação e desenvolvimento, mas também por experiências e expressões pessoais e biográficas. A arte é a cartografia da história e da experiência – pelo filtro do criador.

Abineiel João Nascimento é um caminhante. Ele usa o próprio corpo como uma área de passagem – para visualizar “os processos nebulosos de identidade” como ele mesmo diz – para tornar visíveis a história invisível, o agora e o futuro. Ele é o protagonista – sempre e a todo momento.

A comissão ficou impressionada com a forma como o artista João Nascimento lida corajosamente com questões da origem e identidade com a ajuda de um código artístico desenvolvido por ele mesmo. Em seu trabalho, ele tenta superar limites, mas também considera a falha. Ele desenha uma imagem independente e permanece inteiramente consigo mesmo.

Em sua proposta para o Prêmio Eduardo Souza, ele será “uma pessoa que vem das brenhas”, um cartógrafo de lugares internos da paisagem indígena e negra e de sua própria origem, para poder ver e romper a fronteira entre o passado, o presente e o futuro, entre imagens corporais comins e visualidades predominantes.