Realizado desde 1955 na cidade de Leipzig, na antiga Alemanha oriental, o festival de cinema DOK Leipzig teve um importante papel político durante a guerra fria, sendo um espaço de encontro entre os produtores culturais dos dois lados da Alemanhas – ocidental e oriental.

Além disso, o festival possibilitou que documentaristas do Vietnã e do Chile pudessem retratar o impacto da guerra do Vietnã e da ditadura de Pinochet na época em que elas aconteciam. Em 1995, o DOK Leipzig inovou com a categoria de animação, sendo o primeiro festival do mundo a premiar o melhor documentário em animação, promovendo um debate abrangente sobre o documentário como gênero, que na última década vem superando estética e artisticamente o formato didático e televisivo de sua origem.

Hoje, através de eventos paralelos às sessões, como debates, fóruns e a programação voltada para a indústria do documentário, o DOK Leipzig criou uma plataforma de networking para os realizadores e profissionais do cinema trocarem experiências e oportunidades. Acompanhe mais novidades sobre o DOK Leipzig 2016 nesse especial do CCBA dedicado ao festival com cobertura da jornalista Júlia Veras, ex-aluna do CCBA.

Matérias


  01 DEZ. | QUINTA 

Entrevista exclusiva com Grit Lemke, curadora oficial do DOK-Leipzig

Por Júlia Veras – ex-aluna e correspondente do CCBA em Leipzig

Selecionar 309 filmes de 3300 mil inscritos e exibí-los em uma semana para cerca de 50 mil pessoas não é uma tarefa das mais fáceis. Além dos desafios inerentes a um festival de cinema tradicional, os realizadores do DOK Leipzig ainda têm a missão de harmonizar em seu programa documentários e filmes de animação. Curadora, jornalista e crítica, Grit Lemke é a responsável pela programação do evento, e concedeu uma entrevista para o CCBA.

Grit estudou antropologia cultural, literatura e etnologia e já trabalhou para festivais em Cottbus e Wiesbaden, na Alemanha; e em Sheffield, na Inglaterra. A sua  ligação com o DOK começou em 1991, enquanto ainda cursava o ensino superior, quando ela se ofereceu para trabalhar como freelancer. Ao longo dos anos, ela passou pelas mais variadas posições na produção do evento. É membro da curadoria desde 2004 e mais tarde se tornou coordenadora da programação. Na conversa a seguir, Grit explica como o festival se estabeleceu como um dos mais importantes do mundo na sua área, a ligação com a indústria cinematográfica, as relações com causas políticas e como é possível costurar dois gêneros tão diversos em uma mesma programação.

Como você vê o significado do Festival DOK Leipzig tanto no cenário internacional quanto para os países de língua alemã?

O DOK é o Festival de documentários mais velho do mundo, e ele foi – e ainda é – um dos mais significativos no cenário internacional. No tocante aos países de língua alemã, é o mais importante festival para documentários. No plano internacional, ele está junto de grandes nomes como Nyon, que acontece na Suíça, e o IDFA, na Holanda. A característica que faz o festival único é mesmo a junção de documentários e animação, e isso desde 1955.

Ele passou por muitas mudanças nas últimas edições?

Nesse ínterim, claro, ele esteve e está sujeito a muitas mudanças. Na última década, a mais marcante foi certamente o desenvolvimento de um importante posicionamento dentro do mercado e da indústria do cinema. Atualmente as novas tecnologias quebram as barreiras de gênero e têm influenciado o DOK. Ao mesmo tempo, festivais estão se tornando cada vez mais importantes, não só para a indústria, mas também para o público, como um lugar de entendimento, como um acelerador de discurso. Este fato é claramente perceptível, e é para ele que o festival tem direcionado seus esforços nos últimos anos. Há dois anos, a novidade em nosso programa é a fusão de um mesmo espaço para documentários e filmes de animação. E também o fato de que a noite de estréia está se tornando cada vez mais importante, o que acaba acontecendo com todo festival deste tamanho.

Quais os critérios estabelecidos pelo júri? Por quais pontos de vista os filmes são analisados?

Queremos filmes de arte e não de jornalismo. Informação não é um critério, tampouco escolhemos pelo conteúdo dos filmes. Um filme deve ter sempre algo a contar que vai além do seu sujeito real, como qualquer obra de arte. Além disso, as obras selecionadas devem ser apropriadas para cinema, ou seja, devem funcionar na tela grande.  Claro, esses são critérios que cada um de nós interpreta subjetivamente, não temos um catálogo objetivo de parâmetros com os quais podemos trabalhar. Em última análise, essa é uma questão de longas horas de discussão entre os integrantes do júri.

Na edição de 2016 foram selecionadas mais produções que são dirigidas por mulheres. Como o festival se posiciona em relação a isso?

Em primeiro lugar, selecionamos os filmes que acreditamos serem os melhores e mais importantes. Só depois dessa primeira avaliação, analisamos determinadas características, tais como gênero, países de origem, temas e linguagens cinematográficas. De uma forma geral, se trata de diversidade. Então, podemos dizer que não há cota para a seleção, mas uma clara consciência da importância desse tema. No ano passado houve um déficit, foram poucos os filmes assinados por mulheres. Já esse ano a oferta foi muito melhor. E uma vez que é desenvolvida uma consciência no processo de escolha,  você está apto para se envolver cada vez mais em temas e estilos narrativos que não sejam dominados apenas pelo sexo masculino. Às vezes, filmes que à primeira vista parecem menores, muito pessoais, se mostram capazes de transportar grandes questões sociais. Este ano, nas competições, quase metade dos filmes foram dirigidos por mulheres. Isso permite também concluir que uma nova geração está conquistando o mercado e os festivais, e que as mulheres obviamente exigem o seu espaço.

Qual o papel do DOK no cenário cinematográfico da Alemanha?

Um festival como DOK Leipzig atua principalmente como uma marca. Isso significa que distribuidores e colaboradores se orientam pelas escolhas da curadoria. Filmes com a marca “DOK Leipzig” encontram seu caminho para o público e obtêm, além disso, a atenção das pessoas do ramo e da imprensa. Hoje, fora dos grandes festivais, é difícil para os filmes terem acesso ao mercado.

O evento tem um importante significado político. Como se deu a escolha do moto deste ano, Desobediência?

O moto estava diretamente relacionado com a situação do país em foco nesta edição, a Turquia, e com a nossa retrospectiva dos documentários poloneses. No entanto, toda obra de arte é, em si, um ato de desobediência contra o Mainstream, o que no cinema é especialmente importante em um documentário. Neste sentido, entendemos a desobediência não só como política, mas também como uma espécie de percepção.

O Festival une em sua programação documentários e animação. Como vocês trabalham essa junção?

Nós tratamos ambos os gêneros apenas como filmes e não fazemos diferenciações na eleição ou curadoria entre documentário e animação. Para sistematizar o programa, procuramos temas que costurem os que os filmes têm em comum. É nisso que está o nosso encanto.


  07 NOV. | SEGUNDA  

ERÖFFNUNGSVERANSTALTUNG – CREDIT: DOK LEIPZIG 2016

Encerramento do Dok Leipzig

Por Júlia Veras – ex-aluna e correspondente do CCBA em Leipzig

 Foi encerrado neste domingo o festival DOK Leipzig, que exibiu na última semana mais de 300 produções, entre animações e documentários, na cidade de Leipzig, na Alemanha. No sábado, na cerimônia de premiação no CineStar Leipzig Movie Theatre, tiveram destaque filmes de conteúdo contudente social e politicamente, de acordo com a temática Ungehorsam (Desobediência), escolhida como mote pelo evento. Foram entregues 21 prêmios neste ano, incluindo sete Goldene Taube e duas Silberne Taube, em um total de E$ 77 mil, valor que consolida o DOK Leipzig como um dos festivais de documentários com a mais alta premiação do país.

 O cineasta ucraniano Sergei Loznitsa conquistou o Goldene Taube de melhor documentário de longa metragem pelo filme Austerlitz. A obra discute o quanto a relação dos turistas que visitam antigos campos de concentração é de respeito a um memorial histórico ou se eles vivem apenas uma experiência de pura diversão. Rodado em preto em branco, o filme conquistou o júri não apenas pelo conteúdo provocativo, mas também pelo seu apuro técnico. O cineasta foi até os campos de Dachau, no norte de Munique, e Sachsenhausen, nos arredores de Berlim para compor a sua obra. Em uma das cenas, a câmera se fixa famosa inscrição “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta), escrita nos portões de ferro dos campos, e registra como a dura epígrafe se transformou em fundo para selfies.
 

O segundo lugar na categoria, vencedor do Silberne Taube, foi o filme suiço-alemão,“Cahier Africain” de Heidi Specogna. O trabalho é baseado em um livro elaborado pela diretora durante uma viagem de pesquisa à África central, com fotos e declarações de mais de 300 mulheres violentadas por rebeldes congoleses em 2002. As imagens do filme contam ao espectador histórias que são como um soco no estômago, e se mostraram uma experiência árdua para a plateia.

A menção honrosa ficou para “The war show”, filme dinamarquês filmado em árabe sobre a vida de Obaidah Zytoon, uma DJ que apresenta um programa de rádio em Damasco, na Siria. Além de realizar as experiências musicais que divide com o seu público, ela vai para as ruas com seus amigos participar de protestos contra o governo e também para documentá-los, na esperança de contribuir para a construção de um país mais livre. Junto com o grupo, o documentário levou a audiência a uma viagem pelo país, seu contexto de guerra e ditadura.

Na categoria documentário de curta metragem venceu o irônico e terno filme polonês “Close Ties” (Wiezie) sobre os 45 anos de vida em comum do casal Barbara e Zdzislaw. Já “Eternal hunting grounds”, de Elin Grimstand, ganhou o Goldene Taube na categoria curta de animação. A partir das aventuras de duas crianças que procuram animaizinhos mortos para enterrar, a película apresenta uma história tocante sobre a morte e a infância.

CLOSE TIES by Zofia Kowalewska – trailer from Studio Munka on Vimeo.

Abaixo, segue uma lista dos premiados em outras categorias:

-Prêmio de documentário e animação – curta

“Pulse”, RobinPetré
-Menção honrosa para “Nighthawk”, de Špela Cadež

-Prêmio na competição Next Masters Goldene Taube

“Listen to the silence”, de Mariam Chachia

-Prêmio da competição internacional de documentário animado

“Kaisa,s enchanted forest”, de Katja Gauriloff

Menção honrosa para “Bei Wind und Wetter” (Whatever the Weather), de Remo Scherrer

-Prêmio da competição alemã de documentário e animação – longa

“Furusato”, de Thorsten Trimpop

-Prêmio na competição alemã de documentário e animação – longa

“Neben den Gleisen” (Off the tracks) – de Dieter Schumann

-Prêmio na competição alemã de documentário e animação – curta

“Patriotic Lesson”, de Filip Jacobson
Menção honrosa – “Mishka”, de Eszter Jánka

-Prêmio melhor documentário alemão – DEFA Sponsoring

“Zwischen den Stuhlen”, de Jakob Schmidt

-Prêmio Goethe Institut

“Zwischen den Stuhlen”, de Jakob Schmidt

-Prêmio melhor filme com o tema trabalho

“Zwischen den Stuhlen”, de Jakob Schmidt

-Prêmio Vereinten Dienstleistungsgewerkschaft Ver.di

“Zwischen den Stuhlen”, de Jakob Schmidt

-Prêmio MDR – Filme do leste europeu

“Convinctions”, de Tatyana Chistova

-Prêmio do Juri interreligioso

“Cahier Africain”, de Heidi Specogna

-Prêmio Young eyes

“Communion” de Anna Zamecka

-Prêmio da Fédération Internationale de de la Presse Cinématographique

“A Young Girl in Her Nineties Une jeune fille de 90 ans”, de Yann Coridian und Valeria Bruni Tedeschi

-Prêmio Gedanken-Aufschluss

“Fighter”, de Susanne Binninger

-Prêmio do público – Mephisto 97.6 – Votos da audiência

“Pussy”, de Renata G?siorowska

-Prêmio Dok Neuland – Votos da audiência

“Traumzwang”, de Pascal Hanke 


ERÖFFNUNGSVERANSTALTUNG – CREDIT: DOK LEIPZIG 2016

  31 OUT. | SEGUNDA  

Brasil – Alemanha: Cinema e Desobediência/Ungehorsam

Por Júlia Veras – ex-aluna e correspondente do CCBA em Leipzig

Em tempos politicamente sombrios, o mesmo tema une dois festivais de cinema, um em Recife, Pernambuco, e o outro na Alemanha. Em ambos os casos – o Festival Janela de Cinema (28 de outubro a 06 de novembro), e o Leipzig DOK Festival (31 de outubro a 06 de novembro) – escolheram oportunamente o moto Desobediência (em alemão, Ungehorsam) para dar o tom das suas exibições. Em 2016, o DOK chega a sua 59°edição consolidado como o maior festival alemão  de documentários e filmes animados e o mais antigo voltado para essa categoria do mundo.

Segundo a curadoria do DOK Leipzig, a escolha dos integrantes da programação “Ungehorsam” foi feita a partir um viés  politicamente e artisticamente corajoso e provocativo. Ou seja, as obras deveriam desafiar o status quo não apenas no tocante às ideologias políticas, mas também ao fazer artístico e cinematográfico. Foram então reunidos longas e curtas, animações e documentários,  produções análogas e digitais, atuais ou de 1919, que quebram barreiras. Obras como Reworking the Image, que toca na temática nazista; Outer Space, de Peter  Tscherkassy, que coloca em questão a produção pornográfica;Trade Tattoo, de Lens Lyes; Removed, de Naomi Umans; Yungs, de Jakes  Datamosch; #47, de Miguel Biscaya ou a animação Disobedient by Nature. O trailer da edição foi criado pela documentarista russa Marina Razbezhkina, que fundou uma escola de documentários na Rússia. Em suas produções, a artista se levanta contra os modelos patriarcais que ainda têm tanta força no seu país. Razbezhkina vai receber uma homenagem no festival no dia 03  de novembro. 

Este ano o festival alcança um novo recorde: dos 179 filmes e 6 projetos interativos que fazem parte da seleção oficial, 100 estarão celebrando seu lançamento durante o evento. Além desses 185 trabalhos, um total de 309 obras também serão exibidas em um espaço para programas especiais. O comitê de seleção recebeu mais de 3300 inscrições, de diretores oriundos de países como Estados Unidos, Grã Bretanha, Nepal, Libia e Haiti e demais estados da Europa.

Entre os diretores que exibem seus filmes na mostra, estão artistas como Vitaly Mansky, Sergei Loznitsa, Heidi Specogna, Miroslav Janek, Serhiy Bukovsky e Valeria Bruni Tedeschi. Os trabalhos serão analisados por um júri de 43 pessoas divididos em 11 grupos, entre eles, uma ala interreligiosa e um júri jovem composto por estudantes de escolas da cidade. Estes experimentam a oportunidade de interagir com diretores, participar das falas e eleger o ganhador do Young Eyes Film Award. Os vencedores da 59 edição do DOK serão homenageados no Awards Ceremony no dia 05 de novembro no CineStar Leipzig Movie Theatre.

Na edição de 2016 o evento dá um importante passo em relação à inclusão e vai oferecer legendas em 33  filmes para pessoas com deficiências auditivas por meio de um App chamado STARKS. A ferramenta poderá ser utilizada em telefones que tenham os sistemas Android ou IOS e é gratis. O festival também disponibilizará aparelhos para aqueles que não possuírem um smartphone. Além das legendas, os debates serão acompanhados por intérpretes da linguagem de sinais. O app já está disponível desde a exibição de “My Life as a Courgette”.  O filme, do diretor Claude Barras, tem o mérito de ser a primeira animação que já abriu a mostra em suas quase seis décadas de existência.