Na última terça-feira (29.11), o CCBA – Centro Cultural Brasil – Alemanha realizou o workshop Os Desafios da Saúde Pública. A iniciativa marcou a promoção do ¨CCBAlumni Netzwerk Brasil + Alemanha¨, que contou com o apoio do DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico.

Por Lara Ximenes

Evento marcou início do CCBAlumni Netzwerk Brasil+Alemanha (Fotos: Lara Ximenes)

O evento lotou o auditório e contou com apresentações de trabalhos de doutorado e projetos de extensão de qualidade, levantando debates entre especialistas.Os pesquisadores perceberam que, mesmo estando na mesma universidade, muitas vezes não ficavam sabendo de pesquisas em outros departamentos. Assim, puderam aproveitar o workshop como um espaço de intercâmbio entre os conhecimentos científicos em áreas como farmácia, química, biologia e medicina, mas também entre o conhecimento da saúde popular com plantas medicinais.

Na primeira parte do evento, o Dr. Celerino Carriconde, fundador do Centro Nordestino de Medicina Popular, contou sua trajetória de mais de 30 anos na luta pela fitoterapia nos serviços de saúde públicos e pela valorização do uso de plantas medicinais. “O povo não sabia que usar suas plantas para tratar da saúde era algo positivo. Achava que por ser uma prática realizada pelos pobres, não era digna. Tentamos empoderar esse povo, principalmente as mulheres, que eram donas de casa e cuidavam das suas famílias. Fui muito perseguido por acreditar nisso, mas hoje tenho a história a meu favor. Hoje, a classe média é que procura esses remédios fitoterápicos, quer plantas medicinais, cosméticos naturais, porque sabe os benefícios que trazem para saúde”, contou o médico, que já foi exilado político na época da ditadura militar. Dr. Celerino ainda registrou o apoio da agência alemã MISEREOR para o seu projeto.

Dr. Celerino Carriconde narrou o avanço da medicina popular ao longo das décadas

No mesmo momento, a senhora Giselda Silva, coordenadora do CESAM (Centro de Saúde Alternativa da Muribeca), contou como as seis mulheres responsáveis pelo centro utilizam o laboratório do CESAM para manipular e vender para a população da Muribeca as ervas e plantas medicinais de forma correta e segura para produção de medicamentos naturais. As donas de casa também produzem pomadas, xaropes e matéria prima, criando uma rede de economia colaborativa e solidária na comunidade. “Quando uma mãe vem procurar uma alternativa natural para tratar seus filhos, ela já evita de levá-la aos postos de saúde, que estão sempre lotados. Assim, diminui a demanda lá e evita que a criança entre em contato com outras doenças naquele espaço”, contou dona Giselda. “É muito importante unir a sabedoria popular da medicina com os conhecimentos das universidades”, disse. 

Dona Giselda Alves reafirmou a importância de unir a teoria acadêmica com a sabedoria popular

E, a partir desse mote, os convidados Tiago Nunes e Douglas Viana, doutorandos do Programa de Pós Graduação em Inovação Terapêutica da UFPE, apresentaram o INCUBATECS UFPE, que atua em uma perspectiva territorial, resgatando saberes tradicionais ligados à cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos em interação com o conhecimento científico. A INCUBATECS trabalha junto a associação de manipuladoras de plantas medicinais em Paulista, Jaboatão, Olinda e Camaragibe, em parceria com estudantes de ensino médio de uma escola pública para geração de emprego, renda e colaboração nas políticas públicas de economia solidária.

Além de subsidiar a elaboração de pesquisas voltadas para a melhoria de produtos e serviços no ramo das plantas medicinais e fitoterápicos, a estação abastece o CESAM com insumos vegetais e fomenta o empreendedorismo entre os jovens. “Esses estudantes secundaristas são muito empreendedores. Uma vez, a estação foi invadida por animais que entraram no espaço durante um fim de semana. Eles prontamente pensaram e ergueram, sozinhos, cercas para proteger as plantas, de forma que o local não fosse prejudicado”, contou Tiago. 

Os mestres Viana e Nunes mostram a iniciativa dos secundaristas

Finalizando o primeiro momento, o Prof. Luiz Alberto, ex-aluno do CCBA e ex-bolsista do DAAD, contou sobre sua graduação sanduíche na Alemanha no dotourado em Ciências Farmacêuticas e como funciona o Núcleo de Desenvolvimento Analítico e Tecnológico de Fitoterápicos da UFPE. O professor contou que o grupo de pesquisa busca somar o conhecimento de pesquisadores nas áreas de estudo relacionadas à plantas medicinais, identificando, padronizando e realizando um controle de qualidade nas plantas, através de métodos como a padronização botânica e a prospecção de moléculas ou frações ativas.

Prof. Luiz Alberto contou sua experiência como bolsista do DAAD

Dando seguimento ao evento, o Prof. Dr. Mauricio Santos, do Departamento de Engenharia Química da UFPE, igualmete ex-aluno do CCBA e ex-bolsista do DAAD, compartilhou seu conhecimento de pesquisa acerca das doenças tropicais negligenciadas. A doença negligenciada é uma doença tropical associada à pobreza e precárias condições de vida e sociedade, que não dão lucro às indústrias farmacêuticas e, logo, não têm uma cura investigada. 

Os exemplos mais conhecidos são a malária, a leishmaniose, a doença de chagas (uma das mais negligenciadas, pois a mais recente forma de tratamento data mais de 50 anos), a doença do sono e a dengue. “A maioria de nós só está vivo por conta da indústria farmacêutica, ela tem seu mérito. Mas não podemos ignorar que uma a cada três pessoas de países pobres no mundo está sujeita à infecção por uma dessas doenças. E uma a cada seis já está infectada”, contou. Estima-se que o número global de óbitos com doenças tropicais varia entre 500mil e 1 milhão por ano. 

O Brasil está no topo de infectados com doenças como dengue. As DNTs afetam principalmente a população mais pobre. Elefantíase e esquistossomose são outros exemplos comuns no estado de Pernambuco. Já a malária, por exemplo, tem mais investimento de países como os Estados Unidos, devido às constantes guerras em regiões endêmicas, para onde os soldados americanos vão. Para Mauricio, é papel do Estado garantir condições que impeçam a proliferação dessas doenças. “A maioria dessas doenças existe devido ao ambiente propício das cidades e regiões mais pobres. Se o ambiente é favorável para doenças, é preciso o Estado intervir na situação”, disse.

Prof. Mauricio Santos apresentou onde as doenças negligenciadas se proliferam

Já o Dr. Hugo Martins, mestre e doutor em neurologia pela UFPE e aluno do CCBA, falou sobre os desafios da neurochikungunya no Brasil, com uma abordagem diferente de como a imprensa vem tratando o tema. Durante seu trabalho em Surubim, o médico presenciou o início do surto de chikungunya no estado, que começou a se manifestar no interior antes de Recife, entre setembro de 2014 e novembro de 2015.

“Eu mostrava os casos de meus pacientes aos médicos de Recife e eles não acreditavam que poderia chegar algo assim na capital, mas eu sabia que era uma questão de tempo”, contou Dr. Hugo, que explicou que o nome Chikungunya significa “aquele que se curva” no dialeto da Tanzânia, país onde a doença começou entre 1952 e 1953. O médico explicou que além das conhecidas dores intensas nas articulações e febres acima de 39º, a Chikungunya pode manifestar consequências neurológicas como nível de consciência alterado, síndrome delirante, crises epilépticas e déficit cognitivo.

Dr. Hugo Martins usou os casos de seus pacientes em Surubim para explanar as consequências da neurochickungunya

Finalizando o evento, a Profa. Dra. Beate Saegesser, do departamento de pós-graduação em ciências farmacêuticas da UFPE e aluna do CCBA, apresentou dados sobre o uso de crack no Recife a partir da pesquisa “Avaliação das apreensões de crack na cidade do Recife no período de 2001 a 2010”. Beate estudou as apreensões recentes da droga realizadas pela Secretaria de Defesa Social do Governo do Estado na Região Metropolitana do Recife, num trabalho de pesquisa que visa entender e divulgar informações acerca da composição química do crack. 

Um dos dados alarmantes trazidos pela pesquisa de Beate e seus orientandos foi que, de 2001 a 2011, em Pernambuco, o número de apreensões de crack com indivíduos aumentou de 835 para 7047 em valores absolutos, ocasionando um aumento drástico de 19.473,33%.  A partir daí, o Governo do Estado declarou uma epidemia de crack, o que levou à criação de programas como o Pacto pela Vida, citado pela professora.

“Para diminuir as consequências desse problema de saúde pública e social é preciso seguir três ações de diminuição do uso de drogas nesse cenário: primeiramente aumentar a apreensão, assim ela não chega às pessoas, depois programas sociais para que aqueles que já estão viciados diminuam a vontade de usar e, finalmente, programas de conscientização que inibam os jovens desavisados, principalmente os que estão entrando agora na vida social”, pontuou. Através de um mapa da rota internacional da cocaína, Beate mostrou como Recife se encaixava no esquema sendo um ponto de passagem estratégico entre os principais países exportadores. A pesquisa também explanou as derivações da cocaína para além do crack, como o oxi e a merla, e como substâncias nocivas como bicarbonato de sódio e ácido bórico são adicionadas para fazer volume na droga antes de virar crack. 

 A Profa. Beate exibiu matérias sobre o tema das drogas na mídia pernambucana

A bióloga e pesquisadora da Fiocruz Dra. Constância Junqueira Ayres, presente no evento, mostrou-se surpreendida com o alto nível das exposições demonstrando especial interesse pelas pesquisas de Dr. Hugo, relacionadas com a neurochikungunya. No próximo ano, a Fiocruz espera uma epidemia ainda mais grave da Chicungunya no Brasil. Ela ainda fez um alerta sobre como culpabilizar o mosquito, como o governo vem fazendo, não é efetivo no combate ao vírus, pois o mosquito apenas se prolifera devido às condições urbanas precárias das cidades, que muitas vezes não têm saneamento básico, por exemplo.

Dra. Constância Junqueira Ayres investigou o vírus da chikungunya no interior de Pernambuco, em cidades como Arcoverde 

Ao final do Workshop, a representante do DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico, Dra. Hanna Knapp (UFC, Fortaleza), chamou ainda a atenção para os mais diversos programas de intercâmbio acadêmico oferecidas pelo DAAD, parte deles em cooperação com a Capes e o CNPq. Tanto Hanna como o Diretor do CCBA, Christoph Ostendorf, colocaram – se a disposição para mais informações sobre bolsas e apoios do DAAD que possui ligação institucional com o CCBA.