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Disse e repito: tomadas de consciência, um dos temas desta Berlinale.

O desenho de armas formando o mapa dos Estados Unidos é a imagem de abertura para “Chi-Raq”, o novo filme de Spike Lee, exibido ontem, fora de competição, na Mostra Oficial da Berlinale. Em seguida surge a informação de que no sudoeste de Chicago o número de assassinatos nos últimos 15 anos supera o de soldados norte-americanos nas guerras do Afeganistão e Iraque.

Daí o apelido, adotado também pelo filme, que transpõe o texto “Lysistrata”, de Aristófanes para o momento atual da tragédia afro-americana.  Chi-raq é rapper e líder dos espartanos (Nick Canon) que transformam o sudoeste da cidade em zona de guerra. Ciclope (Wesley Snipes) comanda os troianos. Samuel Jackson é um personagem à parte da trama, que contextualiza as situações.

A postura crítica de Spike Lee não é voltada apenas aos brancos ricos e conservadores, mas aos próprios negros, que entram no jogo da violência. Tem sido assim desde que Spike Lee lançou as bases de seu cinema combativo. Já na abertura de “Faça a coisa certa”, a atriz Rosie Perez dança ao som de “Fight the Power”. E são exatamente as mulheres quem iniciam a insurreição, deflagrada pela morte de uma criança negra, assassinada por uma bala perdida.

Orientada por uma vizinha intelectual (Angela Bassett), Lysistrata  (“Teyonah Parris”, de Dear White People), a namorada de Chi-Raq, inicia uma greve de sexo que se espalha pelo planeta. “No peace, no pussy” (há uma sequência no Brasil, em que garotas gritam em SP “sem paz, sem xana”). Simplista ou não, o posicionamento provoca boas discussões sobre gênero, raça e exclusão social, não apenas nos Estados Unidos.

Interessante observar Lysistrata  como uma nova encarnação de Foxy Brown, personagem símbolo do Blaxploitation nos anos 1970, referência básica do ativismo negro na seara cinematográfica. No entanto, a forma adotada por Spike Lee é diversa, se valendo de recursos do melodrama e da comédia teatral para obter o efeito contagiante pretendido e por vezes alcançado, principalmente nas performances musicais.

Invasões bárbaras – Logo após “Chi-Raq” foi exibido para a imprensa “Where to invade next”, novo panfleto de Michael Moore sobre as precariedades do sistema social norte-americano. Há questões parecidas com as levantadas por Spike Lee, como o culto às armas e o massacre da população negra, estabelecendo pontos de vista absolutamente díspares (Moore é americano branco que resolveu colocar a cabeça fora da manada) sobre os mesmos problemas.

Sob a metáfora da guerra, a ideia de Moore é “invadir” outros países em busca de repatriar boas ideias surgidas nos próprios EUA, mas nunca colocadas na prática por lá. De forma bastante manipulativa e por vezes cômica, o filme quer evidenciar as contradições de um país que se autoproclama o melhor do mundo, listando exemplos de como a Itália, França, Alemanha, Noruega, Islândia e a Tunísia estão à frente nos direitos trabalhistas, de gênero, das crianças e dos presidiários.

Se comparar com a Europa é algo comum na classe média brasileira, mas notoriamente raro nos EUA. Independente da eficácia ou superficialidade do  seu discurso, Moore assume postura otimista. Usa o exemplo do Muro de Berlim e diz que vê seus filmes como martelos que em algum momento podem abrir buracos nos muros. Em termos, ele tem razão. Martelos não são nada sutis.

* Filmes vistos no CinemaxX 9, Potsdamer Platz, em 16/02/2016