Pesquisadores ressaltam a importância da educação

Estudantes e profissionais de diversas áreas participaram do encontro Indígenas em Pernambuco e a Diversidade Etnolinguística no Brasil, promovido pelo Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA) na terça-feira (7/5) como parte da programação da mostra Curt Nimuendajú – Reconhecimentos, que permanece aberta à visitação no local até o fim do mês de maio. A série de palestras começou com a contribuição do professor e antropólogo Peter Schröder (PPGA/UFPE), curador da exposição.

O pesquisador fez um resumo sobre a trajetória do antropólogo brasileiro de origem alemã Curt Nimuendajú (1883-1945) e comentou a relevância do Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes. “É um dos trabalhos mais conhecidos de Curt Nimuendajú, talvez o mais importante pela quantidade de informações reunidas por ele. O mapa é uma obra de vida mesmo. Nimuendajú teve que consultar em torno de mil referências bibliográficas para fazê-lo. É uma obra de suma importância não só para a antropologia, mas para nossos conhecimentos sobre indígenas no Brasil de uma maneira singular”, destacou Peter Schröder.

A antropóloga e professora Vânia Fialho (UPE e PPGA/UFPE) deu continuidade ao tema falando sobre a importância dos mapas, que são recortes produzidos sob óticas diversas e podem atender a interesses políticos e econômicos distintos. “Os mapas cristalizam uma realidade e sabemos que realidades são fluidas, dinâmicas. Nimuendajú não colocava apenas um pontinho para mostrar onde vivia um povo indígena, ele sinalizava os deslocamentos desses povos e marcava a data em que encontrou referências sobre eles. Existe uma rede muito dinâmica entre os povos indígenas”, ressaltou.

Vânia mostrou outros mapas relacionados aos povos indígenas do Nordeste e apresentou pesquisas do Projeto Nova Cartografia Social. “Os trabalhos etnográficos são importantíssimos. Começamos a fazer esta pesquisa no Sertão de Itaparica a partir da demanda dos povos tradicionais da região por causa dos empreendimentos que vêm sendo feitos lá e que geram conflitos socioambientais. A região de Itacuruba e Nova Itacuruba foi impactada pelas obras da hidrelétrica e agora há uma resistência à instalação de uma usina nuclear”, afirmou.

Iphan

Uma nova edição do Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes foi lançada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em uma publicação que reúne textos sobre a pesquisa elaborada por Curt Nimuendajú. As primeiras pessoas que chegaram ao CCBA para a série de palestras receberam um exemplar.

O antropólogo Marcus Vinícius Carvalho Garcia, que trabalha na Divisão Técnica de Diversidade Linguística do Iphan, contribuiu para o encontro comentando sobre o processo de digitalização do Mapa e para a criação da Plataforma Digital Interativa da Diversidade Linguística no Brasil, na qual trabalham diversos pesquisadores do instituto.

“Estamos reunindo vários documentos digitalizados em alta resolução, disponibilizando informações das bases de dado da arqueologia do Iphan e da Fundação Nacional do Índio (Funai), buscando parcerias com os institutos”, anunciou Marcus Vinícius.

“O trabalho de Nimuendajú neste mapa foi feito com muito esmero. Na digitalização buscamos preservar vestígios de cores que ele utilizou, numa tentativa de referenciar o documento original. Vamos colocar observações também, para que o leitor possa ver os dados originais no mapa e ao mesmo tempo ter uma percepção atual sobre os termos utilizados na antropologia”, especificou o pesquisador do Iphan.

Fulni-ô

O cientista social Maike Wítxô Torres (UFRPE) apresentou aos participantes do encontro experiência dos Fulni-ô na preservação do Ia-tê. Os Fulni-ô são o único povo indígena do Nordeste (com exceção do Maranhão) que conseguiu manter viva a própria língua – de outros povos são conhecidas apenas algumas palavras. Maike também comentou sobre a relação entre o ensino das universidades, dos povos tradicionais e da escola.

“Eu acredito que precisa haver um diálogo. A academia em alguns casos chega colocando o conhecimento dela como se fosse maior do que aquele que existe no local. Nós estamos pensando também no papel da escola, em como se dará o ensino do Ia-tê.Só cabe a escola fazer isso? É uma decisão individual buscar o conhecimento? Qual o papel do povo Fulni-ô?”, compartilhou Maike.

“Quando uma língua deixa de existir, se perde uma vastidão de conhecimento. Hoje você vê pessoas botando o nome em Ia-tê nas crianças. A língua é nossa força”, concluiu o pesquisador.

Fotos: Marina Mahmood

Trajetória do antropólogo Curt Nimuendajú inspira exposição do CCBA

Foto: Acervo do Museu do Estado de Pernambuco

O jovem Curt Unckel (1883-1945) migrou da Alemanha para o Brasil aos 20 anos e, não muito tempo depois de chegar ao País, decidiu viver entre os Apapocuva-Guarani na região do Rio Batalha (SP). Durante um ritual naquela aldeia, recebeu o nome que passou a utilizar na trajetória de pesquisador que iniciava de maneira autodidata: Nimuendajú – “aquele que veio a sentar (entre nós)”. Essas e outras passagens da vida do antropólogo são contadas na exposição Curt Nimuendajú – Reconhecimentos, que será inaugurada na quinta-feira (28/3), às 19h30, no Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA). O evento é aberto ao público, com entrada gratuita.

Na sexta-feira (29/3), representantes de povos indígenas de Pernambuco se reúnem para trocar experiências em uma oficina na sede do CCBA. Esse é o único evento fechado na programação da mostra. No sábado (30/3), às 18h30, o espaço cultural sedia a mostra audiovisual Povos Indígenas no Cinema: filmes & debate.

“Mais de quatro décadas dedicadas à etnologia indígena, com pelo menos 34 pesquisas de campo majoritariamente pioneiras sobre mais de 50 etnias e um grande número de publicações, renderam a Curt Nimuendajú, ainda em vida, o reconhecimento como uma das maiores autoridades da Etnologia dos povos indígenas no Brasil na primeira metade do século 20”, afirma o professor Peter Schröder, curador da mostra e docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Na noite de abertura da exposição, Peter Schröder lança o livro Os Índios Xipaya – cultura e língua (Editora Curt Nimuendajú). Para a obra, ele traduziu cinco textos de Curt Nimuendajú que foram originalmente publicados no periódico Anthropos, de 1919 a 1929. “É a primeira vez que o conjunto desses artigos é apresentado em língua portuguesa numa edição crítica, junto com uma introdução que contextualiza a história e o estilo dos textos. Trata-se de trabalhos clássicos da antropologia sul-americana, caracterizados pela influência, ainda predominante, da etnologia alemã”, explica Peter Schröder.

Sobre as contribuições de Curt Nimuendajú para a antropologia brasileira, o professor avalia: “Ele é visto como uma figura pioneira para a formação da etnologia indígena. Apesar do fato de que os textos dele hoje em dia exigem uma reavaliação crítica de seus pressupostos teóricos, muitas vezes implícitos, a qualidade de suas etnografias ou de obras como o Mapa Etno-Histórico não é questionada. Pelo contrário, ele continua sendo um autor muito citado. O fato de ele ter sido autodidata mostra como as práticas científicas mudaram”.

Casa onde nasceu Curt Nimuendajú, em Jena, é identificada por uma placa comemorativa. O jovem costumava ler na biblioteca da Volkshaus (“casa do povo”), fundada por Ernst Abbe (à direita). Fotos: Peter Schröder.

Mapa Etno-Histórico

 O Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes ganhou uma nova edição em 2017, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e será tema de um encontro aberto ao público, na terça-feira (7/5), como parte da programação da mostra Curt Nimuendajú – Reconhecimentos. Um dos originais foi destruído no incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, assim como grande parte do material produzido pelo pesquisador, pois o espólio dele foi adquirido pela instituição e nem tudo havia sido digitalizado. Os demais pertencem aos acervos da Smithsonian Institution (Washington, EUA), do Museu do Estado de Pernambuco e do Museu Paraense Emílio Goeldi.

O mapa elaborado artesanalmente foi inscrito pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Programa Memória do Mundo. Ele é um dos 12 temas selecionados pelo professor Peter Schröder para apresentar o trabalho do antropólogo alemão em uma mostra conectada ao Brasil contemporâneo.

“Em certo sentido, Nimuendajú e seu interesse pela diversidade social e cultural indígena, seus esforços de levantar informações sobre línguas indígenas, mesmo de forma fragmentária, continua atual, sobretudo numa sociedade que ainda tem grandes dificuldades de aceitar diferenças sociais e culturais. E isto torna-se ainda mais evidente no atual cenário político com suas polarizações e manifestações explícitas de intolerâncias e preconceitos”, compara o professor.

Confira os detalhes da programação completa.