Com o mote “Cidades que plantam! Agriculturas urbanas na luta contra a fome e por justiça climática”, o II Encontro Nacional de Agricultura Urbana (ENAU) levantou reflexões e promoveu trocas de experiências entre redes locais e nacionais envolvidas com a produção de alimentos em territórios urbanos

“É preciso pensar o plantar e o morar na cidade”, foi com essa fala que o coordenador do programa de Agricultura Urbana da organização AS-PTA, Márcio Mendonça, finalizou a mediação da primeira mesa de debate da sexta-feira (01 de agosto), durante o II Encontro Nacional de Agricultura Urbana (ENAU).

O evento, realizado no Recife, reuniu cerca de 200 pessoas de todo o Brasil (entre representantes de entidades e coletivos envolvidos com a produção de alimentos em territórios urbanos). Trazendo uma programação extensa com debates, feira de sabores e saberes das cidades, partilha de experiências, seminários, rodas de conversa, vivências de intercâmbio, ato público e experiências culturais, o evento durou 4 dias e foi realizado no Instituto Aggeu Magalhães, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), uma parceria imprescindível para a realização das ações, segundo a organização do evento.

Procurando estreitar a relação com agentes da agricultura urbana locais e ampliar a atuação do projeto AGREGA para áreas urbanas, este ano, o Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA-Recife) foi um dos apoiadores do evento organizado pelo Coletivo Nacional de Agricultura Urbana (CNAU), em parceria com a Articulação de Agricultura Urbana e Periurbana da Região Metropolitana do Recife (AUP RMR). 

=> Conheça o projeto AGREGA – Agroecologia com Energias Alternativas, fruto de uma iniciativa conjunta da ONG alemã Brasilieninitiative Freiburg e.V. e do CCBA, em conjunto com diversos parceiros locais: https://www.agrega.org.br/

O II ENAU levantou temáticas como a promoção de políticas públicas para a agricultura urbana, o combate à fome, a luta por justiça climática e o direito à cidade. Na primeira mesa de debate da sexta-feira (01/08), o agrônomo e coordenador do programa de Agricultura Urbana da organização AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, Márcio Mendonça, destacou que, hoje em dia, não dá para pensar em agroecologia sem pensar em agricultura urbana e que isso é um avanço no movimento da agroecologia.

“Por muito tempo, a agricultura urbana foi pensada como aquela coisa pequenininha, que não abastece, que não alimenta. Mas não, nós temos que disputar a cidade, porque na cidade a gente tem muitos espaços que estão sendo ocupados pela especulação imobiliária, nós temos espaço para produzir. Ou seja, não dá para falar em agricultura sem pensar em plantar e morar na cidade, é preciso pensar o plantar e o morar na cidade”, afirmou Márcio.

Segundo o agrônomo, é necessário sair da visão de uma agricultura focada e ampliar para a compreensão do que é a cidade: “A gente precisa entender que cidade é essa. A agricultura urbana não está dissociada da cidade que a gente quer. Não dá para falar de agricultura urbana apenas de hortas comunitárias. A horta comunitária é só um dos elementos da agricultura urbana”.

Durante o encontro, os participantes puderam também compartilhar um pouco sobre as experiências de intercâmbio nos territórios, nas quais conheceram iniciativas de agricultura urbana, cozinhas solidárias e comunitárias, através de visitas de campo em grupo. Sobre essas experiências, uma participante da Rede Carioca de Agricultura Urbana destacou: “Vivenciar um PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), para a gente do Rio de Janeiro, foi como descobrir uma política pública à qual a gente ainda não tem acesso. Então eles recebem do PAA, que está funcionando. A gente sabe que muitos agricultores não acessam todas as políticas públicas devido a um documento”. 

Complementou, também, sobre a importância das cozinhas solidárias e comunitárias dentro das comunidades: “Outro aspecto que achei muito importante, que a gente lá no Rio de Janeiro vem desenvolvendo também, é o processamento dos alimentos que a gente produz. Essa possibilidade da cozinha, essa possibilidade de estar nessa trincheira que é a cozinha, as cozinhas, né, com vários aspectos comunitários, solidárias, que vem sendo o local de maior luta para o entendimento de nossa ancestralidade. Porque muitos fazeres de alguns alimentos estavam se perdendo, além de não conhecer alguns alimentos, a gente estava perdendo também o jeito de fazer, porque hoje em dia tem tudo pronto, rápido. E a gente teve oportunidade, lá, de comungar esse alimento. Cada vez mais entendo que as cozinhas são trincheiras de luta”.

Outra participante, de Santa Catarina comentou que, mesmo mudando os estados, o que acontece nas periferias de todas as cidades são as mesmas problemáticas. Conforme o mapeamento apresentado no início da mesa de debate, por Luiza Carolina (do GT de Justiça Climática e Agroecologia da Articulação Nacional de Agroecologia), 54% das experiências de agricultura urbana no país são realizadas por mulheres. Outra participante comentou sobre a dificuldade que é manter uma horta comunitária, quando boa parte dessas mulheres são mães e, em muitos casos, não têm com quem deixar os filhos para ficar cuidando da horta. Além da questão da maternidade, existe a questão econômica, pois são mulheres de baixa renda e, em muitos casos, desempregadas, que precisam fazer “bicos” para ganhar algum dinheiro. 

“Porque não criar uma bolsa para a agricultora urbana? Ter um recurso para a gente se manter no dia a dia?”, indagou a participante.

Segundo Paulette Albuquerque, representante da Fiocruz, as hortas são mais difíceis de serem mantidas e trabalhadas do que as cozinhas solidárias e comunitárias. Pois é um processo que envolve a manutenção diária, além da necessidade de ter acesso à água (que nem sempre é possível nas regiões periféricas). Paulette destacou também a importância da cozinha na organização da comunidade. 

“Como a gente constrói essa soberania alimentar a partir da agricultura urbana? Como a gente garante essa autonomia? “, foi uma das perguntas do público presente. 

Segundo Dennis Teixeira, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), através da discussão sobre o alimento, chegamos a questões estruturantes. Para ele, há necessidade de uma reforma agrária e urbana, repensar a estrutura da cidade para que a autonomia alimentar seja efetivada. 

  “A gente tem alguns apontamentos, quais são as nossas forças, fazer um estudo de quem são esses sujeitos e, através disso, a gente pode ir construindo essa grande força social para isso. Ao nível nacional, criamos a missão Josué de Castro, que foi lançada ano passado. Nessa missão, nós trazemos esse debate, várias organizações sociais articuladas para fazer esse debate da soberania alimentar. Dentro dessa missão, aparecem várias questões como a necessidade de fazer a reforma agrária e urbana, pensar nessa estrutura de cidade, para que essa autonomia alimentar seja efetivada. Essa missão não tem o intuito de construir um projeto específico ou um programa, mas a gente convida as organizações sociais do campo e da cidade para a gente discutir qual é a estratégia diante dessa realidade na qual a gente se encontra. Pensar que nível de organização e de ação precisamos fazer conjuntamente. É um processo que está sendo construído”, comentou Dennis.

Outra participante destacou a necessidade de o Governo oferecer mais recursos para o desenvolvimento da Agricultura Urbana no país, pois muitas das iniciativas são organizadas e sustentadas por organizações da sociedade civil. “Muitas das iniciativas são, fundamentalmente, sustentadas e desenvolvidas por movimentos, por ONGs, por grupos sociais e são, em alguma medida, insuficientemente apoiadas, tendo contribuições muito pequenas do poder público. Esse é um desafio enorme. Por exemplo, no nível nacional, a gente tem pouca condição, na maioria das experiências, de apresentar projetos que sustentem, fortaleçam e ampliem essas experiências”, disse a participante.

“O que a política de agricultura urbana do nacional já tem, em termos de instrumentos, de modos de acesso a recursos públicos que não sejam somente as emendas parlamentares? Então, acho que a gente tem muito desafio nesse chão”, complementou. 

Este foi o 2º Encontro Nacional de Agricultura Urbana, 10 anos após o primeiro evento, realizado no Rio de Janeiro (RJ). O evento teve apoio financeiro de órgãos públicos do Governo Federal, através dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Assistência Social e Combate à Fome (MDS); apoio da Prefeitura do Recife, através das secretarias de Agricultura Urbana e de Projetos Especiais.

Além do CCBA, o 2º Enau também contou com os apoios das universidades federais de Pernambuco (UFPE) e Rural de Pernambuco (UFRPE); da Universidade de Brasília (UnB); da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Pernambuco); da Incubadora Tecnológica de Cooperativas da UFRPE (Incubacoop); apoios de ONGs nacionais, como a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), e internacionais, como a The Pollination Project.