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Selecionado para a seção Forum,  “Havarie” foi a mais amarga e desafiadora das sessões que assisti nesta Berlinale. O diretor alemão Philip Scheffner formulou uma abordagem à altura da gravidade da atual crise dos refugiados, levantando questionamentos que destoam do ranço esteril e piegas geralmente dedicados ao tema.

Para tanto, “Havarie” (avaria, em alemão) utiliza nada mais do que um vídeo amador e sinais de rádio para promover um tour de force onde a criação cinematográfica permite a percepção tanto da condição de fragilidade dos que enfrentam a travessia do Mediterrâneo, quanto de quem os observa, em imagens compartilhadas em outros mares, a internet.

Afeito à manipulação intelectual de imagens de arquivo, Scheffner disseca a tragédia em si, nos confinando em dispositivo formado por um vídeo do Youtube revertido em sua banalidade pelo efeito super slow motion (na proporção de um frame por segundo) e uma banda sonora formada por transmissões de rádio trocados entre um navio de refugiados e equipes de resgate.

Feito à distância, a partir de um navio cruzeiro, o vídeo tenta enquadrar um barco de refugiados à espera de resgate na costa espanhola.  O aspecto semicongelado da imagem causa estranhamento e produz náusea ao reduzir o barco a um borrão que assume na tela novas coordenadas.

“Havarie” é a síntese entre fantasmagoria exterior (visual, distante) e interior (sonora, subjetiva). Duas imagens imperfeitas, sujas e longe da alta definição do cinema profissional. É a baixa resolução como estética do abominável. E o tempo, severamente reconstruído, como carrasco de uma absurda sentença de morte.

Sentença que, transposta pelo filme, nos condena a compartilhar um olhar superior que recai milhares de vezes, como navalhas, sobre aquelas pessoas.

* visto no CinemaxX 8, Potsdamer Platz, em 20/02/2016