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Ilusões perdidas

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Após uma sequência de filmes introspectivos e de humor sutil, em “Hail Caesar!” os Irmãos Coen retornam à vibração amalucada de “Queime depois de ler” e “E aí meu irmão, cadê você?”, direcionando seu senso de ironia e subversão para prestar homenagem à Hollywood dos anos 1950.

Ao estabelecer regras próprias para a narrativa e mise-en-scène da antiga fábrica dos sonhos, várias pistas reafirmam sua arte como um corpo estranho fincado na indústria cinematográfica.

Em “Hail Caesar!”, a devoção pelo cinema de gênero encontra na alternância o dispositivo principal. Entre o noir, o musical, o épico e o faroeste, é como se o filme trocasse de figurino de forma impecável, a cada 10 minutos. Não se trata de mistura, mas de uma colagem muito bem definida de referências, que em algum momento esborram umas nas outras, quebrando a ilusão do entretenimento.

A ação se reveza em diferentes estúdios: George Clooney é um ator raptado durante as filmagens de um épico romano; outra produção traz Scarlett Johansson e Channing Tatum em incríveis performances musicais; e Alden Ehenreich como um jovem ator de faroeste desastradamente escalado para protagonizar um drama.

Cabe a um executivo da Capitol Studios (Josh Brolin) lidar com o sumiço de Clooney enquanto impede duas jornalistas de celebridade gêmeas (Tilda Switon) de inventar fofocas sobre os atores. Vestido de gladiador, Clooney evoca Kirk Douglas; por sua vez Brolin incorpora Eddie “The fixer” Mannix, personagem real que tinha a missão de manter a vida privada dos famosos longe dos tabloides.

Além das coreografias de Johansson e Tatum, “Hail Caesar!” compõe uma representação fascinante e tresloucada da “ameaça comunista” em Hollywood, foco em um grupo de roteiristas convictos em acelerar o processo revolucionário. A impressão é a de visitar um museu temático de personagens caricatos que não deixaram de existir: apenas se renovaram.

* visto no CinemaxX 3, Potsdamer Platz, em 11/02/2016

Pedalando sobre o muro

Al Marhala Al Rabiaa The Fourth Stage (Ahmad Ghossein)

O mundo árabe sempre teve seu espaço, mas este ano está com presença especial na Berlinale. Como resposta ao grande influxo de refugiados sírios (somente em Berlim são 80 mil) o festival preparou uma campanha de doação, programas de estágio e ingressos com preços reduzidos para dar as boas vindas aos novos imigrantes.

Um dia antes da abertura oficial, um filme libanês foi o escolhido para a abertura da seção Forum Expanded, criada nos anos 1990 para abrigar obras de cinema expandido. Faz parte do Fórum Internacional do Novo Cinema, a parte mais ousada da Berlinale, de acordo com o próprio festival, dedicada a “avant garde, trabalhos experimentais, ensaios, observações de longo prazo, de cunho político e paisagens cinematográficas a ser descobertas”.

Fui para o evento de bicicleta, cruzando fragmentos e trechos do muro de Berlim demarcados no chão, sentindo o frágil equilíbrio, condicionado ao movimento.

Juntos, “Al Marhala Al Rabiaa” (The Fourth Stage), seguido da leitura “When the Ventriloquist Came and Spoke to Me”, pelo próprio diretor Ahmad Ghossein, formam uma só obra, em torno da influência do grupo paramilitar Hezbolah no sul do Líbano.

A partir do encontro de Ahmad com um mágico de sua infância, o filme intercala imagens aéreas com performances artísticas em ambientes devastados pelo conflito com Israel em 2006. O efeito é melancólico, de um humanismo pós-apocalíptico.

Não por acaso o enfrentamento da realidade e seus fantasmas é o tema proposto pelo Forum Expanded 2016. “Enquanto países estão se militarizando mais. Por nosso lado, buscamos a arte como forma de desmilitarização”, disse um dos curadores.

Na volta, cruzando calçadas e ruas adjacentes ao Potsdamer Platz, olhei para aquele ambiente inóspito por excelência, antes por guerras, e hoje por um centro internacional de consumo.  Se o velho mágico e seu boneco vivessem ali e não no Líbano, a solidão seria a mesma.

*filme visto no Akademie Der Kunste, Berlin-Tiergarten, em 10/02/2016

Sessenta e Seis

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Começou o 66º Festival de Berlim, tendo como filme de abertura “Hail Caesar”, uma bem-humorada e louca declaração de amor dos Irmãos Coen ao sistema de estúdios hollywoodiano dos anos 1950. Ontem à noite, George Clooney, Tilda Swinton, Josh Brolin e Channing Tatum cruzaram o tapete vermelho do Berlinale Palast, satisfazendo público e imprensa de celebridades.

Em poucos dias, também fora de competição, outro filme norte-americano deve fazer seu barulho: “Chi-Raq”, em que Spike Lee adapta Aristófanes para a realidade das gangues de Chicago. No elenco Wesley Snipes, Samuel Jackson e John Cusack. Semanas atrás, Spike Lee criticou o Oscar pela ausência de minorias raciais entre os indicados. Vejamos como será sua passagem por Berlim, uma semana antes da premiação da Academia.

Na competição pelo Urso de Ouro estão, entre outros, o filipino Lav Diaz (novo filme com desafiantes 485 minutos), o canadense Denis Côté (Urso de Prata em 2013), o dinamarquês Thomas Vintenberg e os franceses Mia Hansen-Løve e André Téchiné. No júri estão Meryl Streep (presidente), a fotógrafa francesa Brigitte Lacombe, a atriz italiana Alba Rohrwacher e o diretor polonês Małgorzata Szumowska, os atores Clive Owen e Lars Eldinger e o crítico de cinema inglês Nick James.

Mesmo fora da competição oficial o Brasil está bem representado nesta Berlinale, com três longas na mostra Panorama (“Curumim”, de Marcos Prado; “Mãe só há uma”, de Anna Muylaert; e “Antes o tempo não acabava”, de Sérgio Andrade), um longa na seção Forum Expanded (“Muito romântico”, de Gustavo Jahn e Melissa Dullius – em coprodução com a Alemanha) e dois curtas (“Das Águas que passam”, de Diego Zon – na seção Berlinale Shorts; e “Ruína”, de Gabraz Sana, no Forum Expanded).

No total são 434 filmes, em quase mil sessões de cinema. Entre os clássicos teremos “A morte cansada” (Der Müde Tod, 1921), de Fritz Lang; “Fat City” (1972), de John Ford; “A filha do Nilo” (1987), de Hou Hsiao-hsien; e “The Road Back” (1937), de James Whale; além de uma sessão em homenagem a David Bowie, “O homem que caiu na Terra” (1976), e outra a Ettore Scola, “O Baile” (1983 – Urso de Prata em Berlim). Nada mal.

Como de praxe em Berlim, há o pano de fundo político. Mudanças globais e locais estão em curso e a ambição de oferecer território comum para estes temas condiz com a dimensão da Berlinale – um festival gigante, o maior do mundo em números absolutos, ocupando quase todos os espaços de exibição da cidade e adaptando outros, como o monumental Friedrichstadt Palast.

Ano 6 – Seis é o número desta edição. Além da própria idade do festival fundado em 1951, um dos mais antigos do mundo, a retrospectiva deste ano olha para a produção germânica de 1966, em comemoração aos 50 anos do Cinema Novo Alemão. Criado em 1986, o Teddy Awards, prêmio pioneiro do cinema queer, por sua vez completa 30 anos. Por coincidência, é também o meu sexto festival, desta vez alimentando um blog exclusivo para o Centro Cultural Brasil Alemanha, no Recife, em parceria com o Goethe Institut.

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