Peter Schröder fala sobre o antropólogo Curt Nimuendajú e o incêndio no Museu Nacional

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O antropólogo Curt Nimuendajú (1883-1945), de origem alemã e nacionalidade brasileira, desenvolveu ao longo de vários anos uma relevante pesquisa sobre diversos povos indígenas. “Ele continua sendo considerado uma das referências mais importantes na etnologia dos povos indígenas no Brasil”, destaca o antropólogo Peter Schröder, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), parceiro do Centro Cultural-Brasil Alemanha (CCBA) na realização do projeto Curt Nimuendajú – Reconhecimentos.

Ainda sobre as contribuições de Curt Nimuendajú para a antropologia
brasileira, o professor Peter Schröder afirma: “Mais de quatro décadas
dedicadas à etnologia indígena, com pelo menos 34 pesquisas de campo, majoritariamente pioneiras, entre mais de 50 etnias indígenas e um grande número de publicações, em parte lançadas apenas post mortem, sobre temas de Etnologia, Linguística e Arqueologia indígena, além de volumosa correspondência com os mais diversos especialistas em temas indígenas de vários países, renderam a Nimuendajú, ainda em vida, o reconhecimento como uma das maiores autoridades da Etnologia dos povos indígenas no Brasil na primeira metade do século XX e, segundo alguns autores, como sendo a maior durante todo esse período. Várias monografias tornaram-se clássicos da etnologia indígena devido aos valiosos registros etnográficos como, por exemplo, aquelas sobre os Apinayé, Xerente, Timbira ou Ticuna”.

Museu Nacional

Uma parte valiosa do legado do etnólogo foi destruída no incêndio que atingiu o Museu Nacional (Rio de Janeiro) em setembro de 2018. O espólio do pesquisador foi adquirido pelo museu após uma longa negociação com a viúva do pesquisador, que se estendeu de 1946 a 1951. “Tratava-se de um conjunto muito heterogêneo de documentos: cartas, manuscritos originais de textos publicados, manuscritos não publicados, diários de campo, fotografias. Ou seja, documentos muito valiosos para a história da antropologia no Brasil na primeira metade do século 20. O incêndio destruiu a maioria dos materiais”, explica Peter Schröder.

“Trata-se de uma perda trágica, algo inaceitável. Apenas uma parte do espólio foi digitalizada antes do incêndio, sobretudo as fotografias. E alguns pesquisadores tinham tirado fotos de documentos avulsos, o que pode contribuir para recompor pelo menos uma parte do acervo. No entanto, a maior parte do espólio deve ser considerada perdida para sempre”, continua o pesquisador, que faz um alerta: “Infelizmente, o Museu Nacional não era e nem é o único museu com problemas estruturais e de segurança neste país. Pelo contrário, ainda há muitos. E tragédias parecidas podem se repetir a qualquer dia. O Museu Nacional, no entanto, não só tinha coleções extraordinárias, mas também um valor simbólico enorme no cenário nacional e internacional”.

Trajetória do antropólogo Curt Nimuendajú inspira exposição do CCBA

Foto: Acervo do Museu do Estado de Pernambuco

O jovem Curt Unckel (1883-1945) migrou da Alemanha para o Brasil aos 20 anos e, não muito tempo depois de chegar ao País, decidiu viver entre os Apapocuva-Guarani na região do Rio Batalha (SP). Durante um ritual naquela aldeia, recebeu o nome que passou a utilizar na trajetória de pesquisador que iniciava de maneira autodidata: Nimuendajú – “aquele que veio a sentar (entre nós)”. Essas e outras passagens da vida do antropólogo são contadas na exposição Curt Nimuendajú – Reconhecimentos, que será inaugurada na quinta-feira (28/3), às 19h30, no Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA). O evento é aberto ao público, com entrada gratuita.

Na sexta-feira (29/3), representantes de povos indígenas de Pernambuco se reúnem para trocar experiências em uma oficina na sede do CCBA. Esse é o único evento fechado na programação da mostra. No sábado (30/3), às 18h30, o espaço cultural sedia a mostra audiovisual Povos Indígenas no Cinema: filmes & debate.

“Mais de quatro décadas dedicadas à etnologia indígena, com pelo menos 34 pesquisas de campo majoritariamente pioneiras sobre mais de 50 etnias e um grande número de publicações, renderam a Curt Nimuendajú, ainda em vida, o reconhecimento como uma das maiores autoridades da Etnologia dos povos indígenas no Brasil na primeira metade do século 20”, afirma o professor Peter Schröder, curador da mostra e docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Na noite de abertura da exposição, Peter Schröder lança o livro Os Índios Xipaya – cultura e língua (Editora Curt Nimuendajú). Para a obra, ele traduziu cinco textos de Curt Nimuendajú que foram originalmente publicados no periódico Anthropos, de 1919 a 1929. “É a primeira vez que o conjunto desses artigos é apresentado em língua portuguesa numa edição crítica, junto com uma introdução que contextualiza a história e o estilo dos textos. Trata-se de trabalhos clássicos da antropologia sul-americana, caracterizados pela influência, ainda predominante, da etnologia alemã”, explica Peter Schröder.

Sobre as contribuições de Curt Nimuendajú para a antropologia brasileira, o professor avalia: “Ele é visto como uma figura pioneira para a formação da etnologia indígena. Apesar do fato de que os textos dele hoje em dia exigem uma reavaliação crítica de seus pressupostos teóricos, muitas vezes implícitos, a qualidade de suas etnografias ou de obras como o Mapa Etno-Histórico não é questionada. Pelo contrário, ele continua sendo um autor muito citado. O fato de ele ter sido autodidata mostra como as práticas científicas mudaram”.

Casa onde nasceu Curt Nimuendajú, em Jena, é identificada por uma placa comemorativa. O jovem costumava ler na biblioteca da Volkshaus (“casa do povo”), fundada por Ernst Abbe (à direita). Fotos: Peter Schröder.

Mapa Etno-Histórico

 O Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes ganhou uma nova edição em 2017, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e será tema de um encontro aberto ao público, na terça-feira (7/5), como parte da programação da mostra Curt Nimuendajú – Reconhecimentos. Um dos originais foi destruído no incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, assim como grande parte do material produzido pelo pesquisador, pois o espólio dele foi adquirido pela instituição e nem tudo havia sido digitalizado. Os demais pertencem aos acervos da Smithsonian Institution (Washington, EUA), do Museu do Estado de Pernambuco e do Museu Paraense Emílio Goeldi.

O mapa elaborado artesanalmente foi inscrito pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Programa Memória do Mundo. Ele é um dos 12 temas selecionados pelo professor Peter Schröder para apresentar o trabalho do antropólogo alemão em uma mostra conectada ao Brasil contemporâneo.

“Em certo sentido, Nimuendajú e seu interesse pela diversidade social e cultural indígena, seus esforços de levantar informações sobre línguas indígenas, mesmo de forma fragmentária, continua atual, sobretudo numa sociedade que ainda tem grandes dificuldades de aceitar diferenças sociais e culturais. E isto torna-se ainda mais evidente no atual cenário político com suas polarizações e manifestações explícitas de intolerâncias e preconceitos”, compara o professor.

Confira os detalhes da programação completa.