A experiência do DokLeipzig em 2023 foi bastante enriquecedora, além de poder assistir a documentários de diversas partes do mundo e, a partir disso encontrar olhares e vivencias outras, pude vivenciar o ambiente de indústria, o que possibilitou abrir novas frentes e negócios enfocados na área do documentário. Além da participação de diversos produtores, realizadores, festivais e financiadores, o Dok Industry é um espaço para a escuta de experiências e formatos. Pude ouvir experts falando sobre o trato de materiais de arquivo, sobre seus processos com seus personagens e ampliar compreensões de diferentes dinâmicas de realização no âmbito documental.
Destaco o encontro do qual participei com o Dok Incubator, iniciativa da República Tcheca para projetos em pós, que propõe residências artísticas, também aberta a projetos internacionais, para o processo de montagem de filmes de documentário: (https://dokincubator.net) . Na ocasião, a diretora do programa nos forneceu informações valiosas sobre o processo de seleção e de participação na residência, que prevê a presença de direção, montagem e produção para pensar o projeto numa fase tão crucial da pós. Com a presença de mentores experts na área, auxilia a desenhar a audiência e os caminhos para a distribuição e enfoca em consultorias para o corte final do filme, encontrando sua maior potência.
Guardo também um destaque a dois filmes, o Beauty and the Lawyer, da Armênia, dirigido por Hovhannes Ishkhanyan, na competitiva internacional e o The Mother of All Lies, do Marrocos, dirigido por Asmae El Moudir.
O Beauty and the Lawyer acompanha a história de um casal, onde um(a) artista trans Garik/Carabina (ela/ele utiliza os dois pronomes) e uma advogada cis Hasmik se relacionam, dentro de um formato heteronormativo de casamento. Vivenciando o preconceito em um país extremamente duro nesse sentido, o casal enfrenta a sociedade com leveza para viver um amor honesto e verdadeiro e criar seu filho. Uma das protagonistas, a advogada Hasmik, defende direitos LGBTQIA+ em uma organização chamada Pink Armênia. De forma delicada, a direção acompanha um arco temporal na vida do casal, que ao mesmo tempo que performa uma vida padrão de casamento, construção de uma casa e filho, o faz com um respeito e delicadeza sobre suas identidades e seu amor. Destaco que a equipe do filme, no debate, falou sobre a dureza do tema em seu país e a dificuldade por saber se o filme conseguirá ser exibido lá e quais seriam as consequências disso. (https://www.dok-leipzig.de/en/film/beauty-and-lawyer/programm)
Já o The Mother of All Lies, filme marroquino que venceu melhor direção na Un certain Regard, Cannes, este ano e que foi eleito para representar seu país no Oscar, narra, a partir da própria família da diretora, (que levou cerca de dez anos para finalizar o projeto), e, a partir do uso do recurso de animação, através da produção de grandes maquetes e bonecos, uma parte da história do Marrocos e os efeitos políticos e sociais de conflitos armados e violência. A presença forte de um matriarcado e uma dureza de seu país são expostos a partir da figura de sua avó e a reconstrução de um território a partir de seu olhar e de sua história pessoal trazem memórias do país e um retrato da história do Marrocos e das identidades refletidas em sua própria família. (https://www.dok-leipzig.de/en/film/mother-all-lies/programm)
Jürgen Ellinghaus | Documentário | France, Germany, Togo | 2023
O documentário
Seguindo os passos do diretor de cinema de Hamburgo, Hans Schomburgk, que viajou pela colônia alemã do Togo, de Lomé ao norte, com sua companheira e atriz Meg Gehrts em 1913, Jürgen Ellinghaus exibe as imagens filmadas então em suas locações no atual Togo. As imagens afirmativas de Schomburgk mostram o trabalho escravo, a humilhação e a arrogância do poder colonial. O material é contrastado pelas anotações romantizadas do diário de Gehrts e outros relatórios coloniais que muitas vezes testemunham uma frieza horrível.
A exibição deste material, nunca antes exibido no Togo, leva o público a refletir sobre a tradição, os estereótipos, o “olhar branco”. Nas aldeias, as imagens coloniais evocam memórias de histórias transmitidas. Na metrópole de Lomé, os jovens cinéfilos lamentam que estas imagens lhes tenham sido ocultadas até hoje e discutem em que contextos deveriam ser exibidas. Mas “Projeções da Togolândia” não mostra apenas o quanto estes documentos e textos dolorosos são necessários no Togo contemporâneo, porque fazem parte da história do país. O filme também demonstra que eles são necessários na Alemanha para que possamos assumir a responsabilidade pela nossa história reprimida e enfrentar o nosso próprio racismo – passado e presente.
Depois da exibição do filme Christoph Ostendorf teve oportunidade de conversar com o coprodutor togolês do documentário, Sr. Madjé Ayité sobre o filme e possibilidades de cooperações.
A produtora Revoada Filmes, com o apoio do CCBA, irá apresentar seus projetos na Alemanha, durante o Festival Internacional de Documentário e Animação de Leipzig.
O longa-metragem pernambucano “Pulso”, produzido pela Revoada Filmes, foi selecionado para participar do Dok Co-Pro market – mercado de cofinanciamento e networking do DOK Leipzig (Festival Internacional de Documentário e Animação de Leipzig, na Alemanha). Entre os dias 8 e 15 de outubro deste ano, os produtores e documentaristas da Revoada Filmes, Quentin Delaroche e Victória Álvares, estarão presentes no evento através do apoio do Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA), que irá custear as despesas de transporte e da estadia dos produtores em Leipzig, na Alemanha.
O CCBA compreende o apoio à produtora como uma forma de estimular a internacionalização do cinema pernambucano, ampliando também a divulgação do DOK Leipzig no Brasil. O centro já vem trabalhando para expandir a cooperação e diálogos na área Audiovisual. Ainda em maio de 2023, promoveu o debate “Perspectivas de internacionalização e retomada do cinema”, que contou com a presença de profissionais do audiovisual pernambucano para dialogar sobre a democratização do acesso ao cinema independente realizado em Pernambuco nos mercados e festivais estrangeiros.
Além disso, o CCBA tem o intuito de dar continuidade à promoção do intercâmbio cultural entre Recife (Pernambuco) e cidades alemãs como Leipzig e o Estado da Saxônia. Em fevereiro de 2023, o centro também apoiou a ida da produtora e realizadora pernambucana Thaís Vidal, da Ponte Produtoras, à Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha). Este ano, Thaís também irá ao DOK Leipzig para participar do mercado de cofinanciamento e networking, dando continuidade à sua articulação no fortalecimento da comunicação entre o CCBA e a produção de cinema europeu.
O Festival Internacional de Documentário e Animação de Leipzig, acontece anualmente desde 1955 e é considerado o mais antigo festival de documentários do mundo, além de ser um dos mais importantes festivais dessa categoria globalmente. Durante oito dias, a cidade de Leipzig (no estado da Saxónia, na Alemanha), torna-se polo de exibição de cerca de 250 curtas e longa-metragens em competição e obras de realidade estendida (XR), nas categorias de documentário e filmes de animação.
A programação do evento engloba também o programa de indústria: que enfoca a categoria de filmes documentais, trazendo debates, palestras, master classes, rodadas de negócios para longas-metragens documentais em desenvolvimento com foco em co-produção e “WIP” (work in progress) e também para curta metragens ainda não finalizados no “DOK Short n’ Sweet”. O DOK Leipzig ocupa vários cinemas da cidade, além de outros pontos como a estação central de Leipzig.
Durante a Guerra Fria, o festival tornou-se um dos poucos espaços de intercâmbio entre os cineastas das duas Alemanhas e, em sua programação, costuma trazer produções que tratam de forma crítica temas políticos, propondo a criação de uma plataforma de diálogo que estimule a reflexão sobre a arte e a realidade contemporânea.
“ Uma característica comum a muitos dos selecionados é não abordar diretamente um problema político, mas retratar o impacto dele por meio de um olhar preciso sobre a vida das pessoas.”
O filme “Pulso”, da Revoada Filmes, aborda a atual conjuntura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Pernambuco e foi recém premiado como melhor Pitching no Lau Haizetara Forum, durante o Festival Internacional de San Sebastián, na Espanha. A partir da participação no mercado do DOK Leipzig, os documentaristas Quentin e Victória pretendem encontrar meios de financiar as próximas etapas do projeto que ainda está em fase de produção, além de aumentar a rede de contatos profissionais pelo mundo.
“ Ficamos muito felizes com a seleção porque é um festival extremamente conceituado e consolidado e a gente acha que vai ser uma oportunidade ótima para poder trocar com outros profissionais do audiovisual. Mostrar o que estamos produzindo aqui, quais são as nossas intenções de realização e de produção, além de ver o que está sendo realizado no mundo. Mesmo que aconteça na Alemanha, a gente sabe que é um espaço de troca global. E para nós, é muito importante nessa fase inicial do projeto, encontrarmos parceiros estratégicos: eventuais coprodutores, curadores de festivais, agentes de vendas, distribuidores internacionais, fora outros colegas (diretores e produtores), para a gente ir fortalecendo essa rede de contatos…”, diz Victória.
Victória e Quentin acompanham há alguns anos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e contam que a ideia do documentário é de trazer um pouco da história desse movimento em Pernambuco, uma parte das imagens já foram captadas, além disso, haverá imagens de arquivo em VHS do movimento. A produção fala também sobre uma mudança nas estratégias do movimento, que atualmente abarca ações também nos ambientes urbanos e na política:
“… historicamente é um movimento que luta no campo, ocupando terras improdutivas para pressionar o estado para redistribuir terras e fazer a reforma agrária. Ao longo da história, as ações do movimento se concentravam nas ocupações de terra, né… E a gente observou uma mudança no movimento atualmente, que tem feito um trabalho mais urbano nos últimos anos. Com a solidariedade durante a pandemia e em 2022 com a decisão de lançar 15 candidaturas pelo Brasil todo. E a gente acompanhou um pouco a candidatura de Rosa Amorim (deputada estadual) aqui em Pernambuco, que foi vitoriosa.”, diz Quentin Delaroche.
Além do documentário “Pulso”, a Revoada Filmes possui outros projetos em andamento. Atualmente a dupla está na etapa de finalização do filme “Tijolo por tijolo”, uma obra produzida durante a pandemia da COVID-19, que acompanha o cotidiano de Cris – uma mulher que mora no bairro do Ibura, na periferia da cidade do Recife, em Pernambuco. A produção já vem ganhando espaço nos mercados audiovisuais, sendo um dos 5 projetos selecionados da América Latina para participar do CineMundi (em Belo Horizonte) em Setembro de 2023 e foi apresentado durante o “meeting” do Doc Montevideo. Quentin comenta um pouco sobre a temática do filme:
“A gente acompanhou Cris e sua família durante dois anos. Quando a encontramos, ela estava grávida do quarto filho, uma gravidez não planejada. Ela estava desempregada em meio à pandemia, ela e o marido estavam desempregados. Viviam com os três filhos numa casa que estavam tentando reconstruir porque ameaçava desabar. Então, era uma situação bem complicada. E no meio disso tudo, ela também tenta ressignificar essa gestação, além de tentar conseguir uma laqueadura pelo SUS. Tudo isso ainda tentando trabalhar como micro influenciadora digital. Agora estamos finalizando o filme e a gente pretende lançar provavelmente no começo de 2024. Esse é um dos outros projetos que a gente tem.”
> CONFIRA O TRAILER DO DOCUMENTÁRIO “TIJOLO POR TIJOLO”:
Além dos filmes em andamento (“Fronteiras”, “Pulso” e “Tijolo por tijolo”), a produtora já lançou dois longas, um deles chama-se “Bloqueio” e fala sobre a crise política e econômica no Brasil em maio de 2018, quando ocorreu a greve dos caminhoneiros e parte da população pediu por intervenção militar no país. O filme estreou na competição do Festival de Brasília e internacionalmente no principal festival de documentários do Reino Unido (Sheffield DocFest). A Ponte Produtoras, da qual Thaís Vidal faz parte, assina a produção de “Bloqueio” e também do filme “Camocim”, lançados pela Revoada Filmes.
“Foi uma experiência muito boa, muito interessante mostrar o filme lá, apresentando essa realidade brasileira que fazia eco com algumas situações na Europa, com várias situações de movimentos sociais e da ascensão da extrema direita na Europa.”, comenta Quentin.
Quentin Delaroche dirigiu, junto com Victória Alvares, “Bloqueio” (76’, 2018) que estreou na competição do festival de Brasília e, internacionalmente, no Sheffield Doc/Fest. Dirigiu também “Camocim” (75’, 2017) que estreou no festival de Málaga, ganhou o prêmio Encuentros no festival de Miami e entrou no circuito comercial com a Sessão Vitrine. Na França, Quentin dirigiu “Marie, the cancer tamer” (53’, 201) e “Nomad’s land” (52’, 2014).
Victória Álvares
Victória Álvares é uma documentarista e produtora pernambucana. Seu primeiro longa-metragem, “Bloqueio”, em co-realização com Quentin Delaroche, estreou na competição do festival de Brasília, internacionalmente no Sheffield Doc/Fest. O filme participou de dezenas de festivais nacionais e internacionais antes de ser distribuído em salas no circuito comercial. Atualmente está finalizando o longa “Tijolo por tijolo”, a série “Fronteiras” e desenvolvendo o longa “Pulso”.
REALIZAÇÃO O CCBA – Centro Cultural Brasil – Alemanha é uma instituição cultural no Recife/Brasil, reconhecido e apoiado pelo Governo Alemão, o Instituto Goethe e o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico – DAAD. Na sua programação cultural o CCBA valoriza o diálogo com a sociedade civil e a cooperação com parceiros locais em projetos que dizem respeito a debates e desafios contemporâneos.
Contato: Christoph Ostendorf
christoph@ccba.org.br