Semana de Economia Social & Solidária & Sustentável

20 a 24/10/2015 - Recife/PE - no Centro Cultural Brasil – Alemanha (CCBA)

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Quando a moda diz não ao desperdício

Quando Philippe Werhahn ainda era um estudante de design moda, ele já tinha certeza que o seu trabalho seria guiado pelo conceito de sustentabilidade. Decidiu que faria alguma coisa para diminuir o impacto que causam as cerca de 700 mil toneladas de roupas que que são descartadas todos os anos na Alemanha. Resolveu apostar no Upcycling, um processo de recuperação em que os resíduos são transformados em produtos com maior valor que a matéria prima original. Assim surgiu, em 2006, a Ting Ding, cujo conceito não era apenas subverter o curto ciclo de vida de uma peça de roupa, mas também o seu contexto: camisas masculinas viram vestidos, calças se tornam blusas, camisetas e blusas, juntas, dão forma a vestidos.

As peças que serão transformadas chegam até Philippe por doação e a escolha delas geralmente se dá por algum detalhe inusitado, seja o design, a estampa ou toque do material. Poucos anos depois do início da Ting Ding, ele se juntou com um amigo e decidiu dar um novo passo: criar a Kollateralschaden, cujo nome (Danos colaterais) já deixa claro uma boa dose de provocação. Os produtos são feitos de algodão orgânico, com uma modelagem ao mesmo tempo básica e atemporal e, mais ainda, alguns deles são multifuncionais, como vestidos que viram blusas ou pulôveres que podem ser utilizados em suas duas faces, um trabalho de descontextualização que já era presente desde o início com a Ting Ding.
Ambas as marcas convivem no ateliê de Phillipe, em Neukölln, Berlim. Dos consumidores da Kolla, como o designer chama carinhosamente a loja, cerca de 70% são mulheres e a maioria delas têm entre 30 e 65 anos. Geralmente, têm o estilo bem definido, sabem o que querem e investem em roupas duráveis. A marca ainda oferece uma garantia permanente, como mais uma forma de fidelizar os clientes e estender a vida útil das roupas. Embora o preço de material de qualidade, profissionais bem pagos e cadeia de produção justa seja superior aos praticados pelas lojas de departamento, o empreendedor não tem do que reclamar. As vendas, sejam em feiras pela Alemanha, Suíça e Áustria, na própria loja ou pela internet, seguem em alta.
“Desperdiçar resíduos é desperdiçar recursos. Além do impacto ao meio ambiente, muitas empresas exportam roupas descartadas para a Africa ou Ásia e acabam destruindo mercados domésticos. Queremos ser uma opção sustentável, seja pelo upclycling, no caso da Ting Ding, seja na construção de peças novas que são atemporais e podem ser usadas para sempre, no caso da Kollateralschaden”.
Produção consciente e reaproveitamento de recursos é também o que move Britta Eppinger, que à frente da marca Bolsos, transforma os mais variados materiais que iriam para o lixo em mochilas, sacolas, porta-moedas e carteiras. Curiosamente, boa parte do material que ela transforma são restos de propaganda publicitária, como banners e sobras de cenário decorativos, além de outros elementos mais originais, como lona de velas de embarcações. No dia da visita à loja, seu novo desafio era transformar antigas mangueiras de caminhão de bombeiro em um adereço fashion.
“Só posso decidir o que fazer quando toco o material. Ele me diz o que vai ser mais interesssante de ser criado. Daí, posso me decidir uma impressão de estampa ou aproveitar sua textura original. Cada vez que esse processo é iniciado, não sei exatamente no que ele vai dar”, conta Britta. Sobre a sobrevivência de um negócio sustentável, ela conta que nem sempre é fácil pagar as contas. “Nem todo mundo entende que um trabalho feito a mão não pode ter o mesmo preço de algo industrializado feito por trabalhadores explorados. Posso dizer que trabalho com o que gosto. Talvez se eu tivesse que alimentar uma família seria mais complicado. Mas mesmo assim, consigo sobreviver. Ao longo dos anos, estabeleci uma clientela que procura produtos bem-humorados e divertidos”.

 

“Não existe bom projeto em economia solidária sem educação”

Para se criar uma empresa, da concepção da ideia até à inauguração, o caminho é longo. Quando se trata de um empreendimento solidário, o cuidado com o planejamento é o mesmo, mas com uma diferença: se a maioria das pessoas está acostumada a trabalhar e produzir em um sistema hierarquizado, vai ter que descontruir essa ideia e se acostumar com a democracia como novo modelo de gestão. E essa não é das tarefas mais fáceis. Dos mais de 20 mil empreendimentos solidários existentes no Brasil, apenas 8% começaram pelo desejo de trabalhar comunitariamente. A professora Rosangela Alves de Oliveira, da Universidade Federal de Natal, diz com clareza: é preciso ser reeducado para trabalhar com economia solidária.
Experiência no assunto não falta a Rosangela. Assistente social de formação, foi trabalhar na Caritas da Paraíba, e também integrou a equipe da Incubes (Incubadora de Empreendimentos Solidários -http://www.ufpb.br/incubes/), instituição que ajudou lançar centenas de projetos. Em 2002 fez um mestrado em práticas educativas na economia solidária e, em 2003, veio para a Alemanha fazer doutorado. Aqui, ajudou a criar a primeira incubadora universitária de economia solidária da Alemanha, a Solidarische Ökonomie Verain, em Kassel, entre 2005 e 2008. Ela é também uma das fundadoras do Fórum de ES no Brasil.
Rosângela foi uma das participantes do grupo de discussão que que abriu a programação do Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin 2015 nessa quinta-feira, falando sobre o tema Solidarisch wirtschaften in Berlin-Brandenburg und Brasilien (Economias de solidariedade em Berlin-Brandenburg e no Brasil). Ao fim da palestra, a especialista lançou um desafio à platéia: “O mundo tem os olhos na Alemanha, pela força da sua economia e, agora, pela recepção aos refugiados. Essas pessoas saíram de onde estão pela guerra e pela desigualdade social e agora estão aqui. Acho que a presença delas deve ser mais um estímulo para que se pense em um modelo mais justo para todos”.
Qual o ponto de partida para um empreendimento de economia solidária?

Sem educação para a economia solidária (ES) não existe um bom projeto. Nós vivemos numa sociedade marcada pela competição, e a ES muda essa perspectiva. Mas solidariedade não se dá por decreto. É preciso estimular que as pessoas se juntem. Apenas 8% dos mais de 20 mil estabelecimentos de ES no Brasil começam com o intuito de trabalhar democraticamente em grupo. O que motiva as pessoas é ganhar melhor. Claro, isso é um dos focos, mas é preciso orientar, ensinar o que é a agroecologia, respeito aos gêneros, às distintas etnias, aos direitos dos trabalhadores. É a partir desses desafios que fazemos as transformações sociais. E tem dado certo.
Como isso funciona praticamente?

Um dos processos é a metodologia de incubação. O primeiro desafio é conhecer as pessoas, identificar os potenciais desse grupo. Nesse momento, não importa qual será a formalização, se vai ser uma cooperativa ou uma associação. Depois, vamos para o processo de capacitação, uma média de seis meses de oficinas e conversas. Quando tópicos como temáticas, limites e talentos são identificados, começamos a pensar a parte administrativa e detalhes como jornada de trabalho – afinal uma empresa que tem que ter um retorno na renda das pessoas.

E os resultados alcançados são positivos?
Gosto muito de um exemplo, que embora não seja recente, é muito forte pelos seus personagens e mostra que as mudanças são possíveis em qualquer situação. Em 1996, a prefeitura de João Pessoa entrou em contato com a Caritas, por que precisavam desativar o lixão do Roger, que ficava no centro da cidade. A questão era que lá viviam mais de 400 famílias de catadores. Aceitei a tarefa com a condição de ter autonomia. Queríamos trabalhar duas questões básicas. A primeira eram as moradias, que foram construídas em outro lugar. A segunda era o sistema produtivo. Os atores eram pessoas que não sabia ler nem escrever. Havia muitos acidentes na comunidade, especialmente com crianças, por causa dos garfos que eles usavam para mover o lixo. Para se ter uma ideia, conseguimos implantar a coleta de lixo seletiva em vários bairros de João Pessoa, gerenciada por esse movimento de catadores.

Como foi trabalhada a implementação do modelo de cooperativa?
Isso tem que acontecer em um processo formativo. Levamos dois deles para conhecer as experiências da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte, a Asmare, que já era conhecida internacionalmente. Trabalhamos com o princípio freiriano (de Paulo Freire) de educação, e ele chama isso de intercâmbio de aprendizado entre iguais. Uma coisa que me angustiava muito era ver que eles cozinhavam no lixo, mas nunca me senti no direito de falar isso com eles. Mas quando eles comentaram com os colegas de Belo Horizonte sobre isso, gerou-se um debate. Eles poderiam dizer que eu achava errado porque eu tinha o que comer. Mas quando alguém que está na mesma situação que eles diz isso, é diferente! Então, umas das estratégias formativas mais importantes é o intecâmbio, levar mulheres para conhecer mulheres, jovens para conhecer jovens. Quando implantamos a incubadora em Kassel, levamos dois alemães para o Incubes, em João Pessoa, e dois meninos de lá vieram para cá. Foram três meses de trocas. Isso é fantástico. Cursos e capacitações são importantes, mas a convivência entre as pessoas ensina muito sobre o que é trabalhar em grupo.

Por uma nova economia de cooperação

De 05 a 13 de setembro acontece o Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin, que terá cobertura especial no site do CCBA

Com o lema “Wir können auch anders! Solidarische Ökonomie in der Praxis“ (Nós também podemos mudar! Economia Solidária na prática), começa neste sábado (04/09) o Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin 2015, que vai discutir propostas para a construção de um novo modelo econômico. O encontro deve reunir mais de 1.000 pessoas e será dividido em duas etapas. Durante a Wandelwoche (Semana de transformação), de 05 a 09 de setembro, os participantes vão poder conhecer as iniciativas locais de economia solidária por meio de passeios a pé e de bicicleta.  De 09 a 13 de setembro, uma centena de fóruns e workshops  contarão com a participação de professores, trabalhadores, especialistas, interessados e curiosos de vários países do mundo.

Estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas sobrevivem de empreendimentos econômicos solidários no Brasil. O país é considerado um dos pioneiros na área,e a Alemanha quer ouvir mais sobre as experiências brasileiras e aprender novos caminhos. Paul Singer, secretário da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), e Rosangela Alves de Oliveira, professora da Universidade Federal de Natal, terão destaque na programação e irão levar as experiências nacionais para Berlim, que se destacam nas áreas de agricultura familiar, artesanato, moda e extrativismo.

A expressão economia solidária define o conjunto de atividades econômicas que envolvem desde produção a crédito, passando por distribuição e consumo que sejam organizadas sob a forma justa. Isso pressupõe uma gestão coletiva democrática, a distribuição da riqueza produzida, o compromisso com a comunidade local, com os movimentos sociais e com o meio ambiente, além do respeito aos direitos dos trabalhadores e consumidores. Sob essa ótica, serão discutidos no encontro não apenas o futuro de pequenas empresas que optam por esse caminho mas também as possibilidades de cooperação internacional, exploração de conhecimento livre e o uso responsável de recursos naturais. A cobertura do Congresso será apresentada na íntegra no site do CCBA, que realizará em outubro a Semana de Economia Social, Solidária e Sustentável no Recife.

Mais informações: http://solikon2015.org/de

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