Semana de Economia Social & Solidária & Sustentável

20 a 24/10/2015 - Recife/PE - no Centro Cultural Brasil – Alemanha (CCBA)

Author: Júlia Veras

Economia solidária: como pensar o futuro

Foram muitos os exemplos sobre como o desejo de trabalhar com a economia solidária pode sair do papel e se tornar empreendimentos concretos durante os dias do Solikon, evento que aconteceu em Berlim em setembro. Em comum, os relatos sobre as dificuldades e os desafios de manter os projetos vivos financeiramente levaram a todos os que acompanharam as mesas redondas e workshops aos mesmos questionamentos recorrentes: é possível pensar em outra economia? Dá para ampliar esse movimento e torná-lo algo maior?

 

A economia solidária (ES) ainda é um campo em que predominam iniciativas pessoais. São raros os casos como o do Brasil, em que existe um certo suporte do governo. Hoje, cerca de 25 mil pessoas ganham seu sustento a partir de empresas de ES, que é responsável por 3% do Produto Interno Bruto no país, como informa Paul Singer, secretário nacional de economia solidária.

 

É interessante pensar que esse panorama é exatamente o oposto do alemão. Enquanto no Brasil a ES é uma opção à pobreza, e a maioria de seus beneficiários estão na zona rural, os empreendedores alemães apresentam um alto grau de instrução e são movidos pelo desejo de um modelo alternativo de vida. O apoio governamental não é forte. “Esse padrão vem das tradições da contra-cultura e dos anos 1960. Muitas dessas pessoas buscam um outro modelo de vida, mas sem necessariamente ter uma agenda política, tanto que algumas cooperativas acabam se tornando empresas tradicionais”, comenta o pesquisador e filósofo Bastian Ronge, que estará presente na Semana de Economia Social, Solidária e Sustentável que será realizada pelo CCBA em outubro.

No sul da Europa, a crise empurrou algumas pessoas para esse nicho, o que não deixa de ser uma alternativa às dificuldades que assolam estados como Portugal, Espanha e Grécia. As iniciativas, no entando, ainda não se mostram como uma alternativa sólida. Diante do panorama tão distinto, a pergunta de como a ES pode ser desenvolver e se tornar uma alternativa viável ao capitalismo ainda segue sem uma resposta. Sven Gigold, membro do parlamento europeu pelo Grünen Partei (Partido Verde), ressalta que a crise está forçando o mundo a procurar novos modelos econômicos, mas o tema não está presente na agenda de nenhum partido político na Alemanha ou na Europa . “A pobreza cresceu, e a Alemanha está falhando em manter a si mesma e à Europa consolidadas.Temos bons projetos na ES, mas a maioria dos políticos não se importa em mudar o sistema”.

 

A criação de redes parece ser uma das alternativas que teria algum impacto dentro desse mercado, como sugere Georgia Bekidraki, representante da instituição Solidarity4all, da Grécia. “Queremos envolver pessoas nesse modelo. A pergunta é como praticar a solidariedade também entre os países, como fazer a ligação entre grupos, como criar mercados sociais? Precisamos de mais pessoas dividindo a mesma experiência. Não temos que esperar pelo governo. O euro está em crise e podemos usar a crise para reconstruir a Europa de uma forma mais justa. Temos o exemplo de uma caravana que leva produtos da Grécia para a Belgica. É uma forma de ajudar os empreendedores, facilitar o encontro dos consumidores com esses produtos”.

 

Recife – Sobre a discussão da qual participará no CCBA, no Recife, o filósofo Bastian pretende enfocar alguns questionamentos sobre qual a dimensão do fenômeno da economia solidária para a filosofia e quais as suas perspectivas. “Vimos no Solikon várias pessoas que estão trabalhando dentro desse modelo. Como analisar o que elas estão tentando fazer praticamente? Como a solidariedade pode sobreviver como parte de um modelo econômico? É tarefa da filosofia interpretar esse fenômeno”.

 

Outro ponto que ele  pretende explorar é como a ES pode estabelecer uma outra via – já que isso também significa desconstruir nichos e paradigmas. “Como consolidá-la em uma sociedade capitalista? Como viver em cooperativas e, dentro delas, definir o que me pertence e o que te pertence quando nossos modelos de vida são estruturados pelo capitalismo? Por outro lado, seria um erro dizer que não podemos mudar o conforto da nossa vida porque exatamente o que o capitalismo faz é mudar esse padrão de conforto constantemente para criar novas necessidades e vender mais produtos. Por exemplo, hoje temos o Airbnb, que nos possibilita dormir na casa de estranhos quando viajamos, o que era impensável há dez anos. A ideia de um café para viagem faria minha avó ficar chocada. Ou seja, esses conceitos sofreram modificações para gerar lucro. Há casos de transformações que seguem no movimento contrário, como o mercado de troca de roupas e móveis. É possível mudar, mas essa não é uma tarefa fácil”.

Foto: Júlia Veras

Foto: Júlia Veras

 

Economia solidária como resposta à crise

A crise que castiga os países do sul da  Europa há alguns anos vem estimulando também atividades de economia solidária. No caso, essa opção de empreendimento não se dá, em primeira instância, apenas por ideologia, mas se mostra como uma alternativa. Dados de âmbito nacional ainda não são comuns, e é fato que que os exemplos de projetos solidários não são exatamente uma resposta em larga escala aos problemas econômicos, mas iniciativas que estão se aglutinando e tentando fazer do enfrentamento das dificuldades uma tarefa menos árdua.

 

Os números*, embora sejam apenas um espelho frio do drama que atinge esses países, ajudam a traçar uma imagem do dia a dia dos seus habitantes. Nos últimos sete anos, o Produto Interno Bruto da Grécia caiu cerca de 25%, 52% dos jovens não têm emprego e 40% das crianças vivem abaixo da linha de pobreza. A Espanha, cujo desempenho econômico dá alguns sinais de melhoras, ainda tem quase um quarto da sua população ativa desempregada. No vizinho Portugal, a situação não é diferente: a taxa de desemprego real a chegou aos 29% no segundo semestre de 2014 e a taxa de jovens sem trabalho se posiciona nos 35%.

 

Georgia Bekidraki, representante da instituição Solidarity4all, é uma das que acredita que foram os buracos sociais gerados pela escassez que criaram espaços para atividades alternativas na Grécia, que atualmente enfrenta um duro plano de austeridade. Para ela, as cooperativas  são uma possibilidade de fuga em uma União Europeia (UE) que deixou claro que não há espaço para um modelo que não seja neoliberal. “É difícil falar de números, mas sei de pelo menos 300 iniciativas no país. Não acredito que essa seja uma crise do Sul da Europa, mas que toda a Zona do Euro está em crise. Temos que fazer algo à parte da UE, nos perguntarmos como criar outros mercados sociais”, argumenta.

 

“Na espanha, me parece claro que as empresas de economia solidária são um produto da crise”, pontua Gorka Pinillos, da Cooperativa Integral Catalana, que acrescenta que muitas cooperativas cresceram depois de 2008, ponto alto da depressão no país. A  XES (Rede de Economia Solidaria Catalã), com quase 400 associados, é um exemplo. “Redes de moedas sociais também se expandiram em vários territórios e estão avançando as experiências comunitárias que integram diferentes áreas, especialmente em Barcelona”, conta.

 

Na visão do ativista, dada a relação crítica entre governo e movimentos sociais, a possibilidade de pensar em políticas públicas de estímulo à ES na Espanha, como acontece no Brasil, não é crível. “Não existe interesse em fomentar essas ações”. A portuguesa Joana Dias, representante da Academia Cidadã, ressalta que essas iniciativas também não podem ser vistas pelo estado como possibilidade de se desresponsabilzar pela sociedade. “O Estado português tenta se livrar desse papel, passando essas competências para associações e iniciativas de base local. Estas, apesar de muito positivas, ainda são claramente residuais no panorama português, pois continuam a não chegar a quem mais precisa – às famílias que, por exemplo, não têm um único rendimento e que vivem na pobreza”.

 

À parte dessas observações, Joana também acredita que a  economia solidária se mostra como uma chance em relação à crise. “Até agora, os nossos políticos, para ultrapassá-la, têm utilizado medidas de austeridade, que claramente não funcionam. Por isso considero a economia solidária um meio valioso para ultrapassar a depressão econômica, ou, antes dessa vitória, permitir a sobrevivência aos efeitos da austeridade”.

 

*Os números e dados dessa matéria, assim como as entrevistas, foram apresentados durante os fóruns do Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin 2015, e são oriundos dos Ministérios dos Trabalhos dos três países, Organização das Nações Unidas (ONU) e Unicef.

 

Quando a moda diz não ao desperdício

Quando Philippe Werhahn ainda era um estudante de design moda, ele já tinha certeza que o seu trabalho seria guiado pelo conceito de sustentabilidade. Decidiu que faria alguma coisa para diminuir o impacto que causam as cerca de 700 mil toneladas de roupas que que são descartadas todos os anos na Alemanha. Resolveu apostar no Upcycling, um processo de recuperação em que os resíduos são transformados em produtos com maior valor que a matéria prima original. Assim surgiu, em 2006, a Ting Ding, cujo conceito não era apenas subverter o curto ciclo de vida de uma peça de roupa, mas também o seu contexto: camisas masculinas viram vestidos, calças se tornam blusas, camisetas e blusas, juntas, dão forma a vestidos.

As peças que serão transformadas chegam até Philippe por doação e a escolha delas geralmente se dá por algum detalhe inusitado, seja o design, a estampa ou toque do material. Poucos anos depois do início da Ting Ding, ele se juntou com um amigo e decidiu dar um novo passo: criar a Kollateralschaden, cujo nome (Danos colaterais) já deixa claro uma boa dose de provocação. Os produtos são feitos de algodão orgânico, com uma modelagem ao mesmo tempo básica e atemporal e, mais ainda, alguns deles são multifuncionais, como vestidos que viram blusas ou pulôveres que podem ser utilizados em suas duas faces, um trabalho de descontextualização que já era presente desde o início com a Ting Ding.
Ambas as marcas convivem no ateliê de Phillipe, em Neukölln, Berlim. Dos consumidores da Kolla, como o designer chama carinhosamente a loja, cerca de 70% são mulheres e a maioria delas têm entre 30 e 65 anos. Geralmente, têm o estilo bem definido, sabem o que querem e investem em roupas duráveis. A marca ainda oferece uma garantia permanente, como mais uma forma de fidelizar os clientes e estender a vida útil das roupas. Embora o preço de material de qualidade, profissionais bem pagos e cadeia de produção justa seja superior aos praticados pelas lojas de departamento, o empreendedor não tem do que reclamar. As vendas, sejam em feiras pela Alemanha, Suíça e Áustria, na própria loja ou pela internet, seguem em alta.
“Desperdiçar resíduos é desperdiçar recursos. Além do impacto ao meio ambiente, muitas empresas exportam roupas descartadas para a Africa ou Ásia e acabam destruindo mercados domésticos. Queremos ser uma opção sustentável, seja pelo upclycling, no caso da Ting Ding, seja na construção de peças novas que são atemporais e podem ser usadas para sempre, no caso da Kollateralschaden”.
Produção consciente e reaproveitamento de recursos é também o que move Britta Eppinger, que à frente da marca Bolsos, transforma os mais variados materiais que iriam para o lixo em mochilas, sacolas, porta-moedas e carteiras. Curiosamente, boa parte do material que ela transforma são restos de propaganda publicitária, como banners e sobras de cenário decorativos, além de outros elementos mais originais, como lona de velas de embarcações. No dia da visita à loja, seu novo desafio era transformar antigas mangueiras de caminhão de bombeiro em um adereço fashion.
“Só posso decidir o que fazer quando toco o material. Ele me diz o que vai ser mais interesssante de ser criado. Daí, posso me decidir uma impressão de estampa ou aproveitar sua textura original. Cada vez que esse processo é iniciado, não sei exatamente no que ele vai dar”, conta Britta. Sobre a sobrevivência de um negócio sustentável, ela conta que nem sempre é fácil pagar as contas. “Nem todo mundo entende que um trabalho feito a mão não pode ter o mesmo preço de algo industrializado feito por trabalhadores explorados. Posso dizer que trabalho com o que gosto. Talvez se eu tivesse que alimentar uma família seria mais complicado. Mas mesmo assim, consigo sobreviver. Ao longo dos anos, estabeleci uma clientela que procura produtos bem-humorados e divertidos”.

 

“Não existe bom projeto em economia solidária sem educação”

Para se criar uma empresa, da concepção da ideia até à inauguração, o caminho é longo. Quando se trata de um empreendimento solidário, o cuidado com o planejamento é o mesmo, mas com uma diferença: se a maioria das pessoas está acostumada a trabalhar e produzir em um sistema hierarquizado, vai ter que descontruir essa ideia e se acostumar com a democracia como novo modelo de gestão. E essa não é das tarefas mais fáceis. Dos mais de 20 mil empreendimentos solidários existentes no Brasil, apenas 8% começaram pelo desejo de trabalhar comunitariamente. A professora Rosangela Alves de Oliveira, da Universidade Federal de Natal, diz com clareza: é preciso ser reeducado para trabalhar com economia solidária.
Experiência no assunto não falta a Rosangela. Assistente social de formação, foi trabalhar na Caritas da Paraíba, e também integrou a equipe da Incubes (Incubadora de Empreendimentos Solidários -http://www.ufpb.br/incubes/), instituição que ajudou lançar centenas de projetos. Em 2002 fez um mestrado em práticas educativas na economia solidária e, em 2003, veio para a Alemanha fazer doutorado. Aqui, ajudou a criar a primeira incubadora universitária de economia solidária da Alemanha, a Solidarische Ökonomie Verain, em Kassel, entre 2005 e 2008. Ela é também uma das fundadoras do Fórum de ES no Brasil.
Rosângela foi uma das participantes do grupo de discussão que que abriu a programação do Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin 2015 nessa quinta-feira, falando sobre o tema Solidarisch wirtschaften in Berlin-Brandenburg und Brasilien (Economias de solidariedade em Berlin-Brandenburg e no Brasil). Ao fim da palestra, a especialista lançou um desafio à platéia: “O mundo tem os olhos na Alemanha, pela força da sua economia e, agora, pela recepção aos refugiados. Essas pessoas saíram de onde estão pela guerra e pela desigualdade social e agora estão aqui. Acho que a presença delas deve ser mais um estímulo para que se pense em um modelo mais justo para todos”.
Qual o ponto de partida para um empreendimento de economia solidária?

Sem educação para a economia solidária (ES) não existe um bom projeto. Nós vivemos numa sociedade marcada pela competição, e a ES muda essa perspectiva. Mas solidariedade não se dá por decreto. É preciso estimular que as pessoas se juntem. Apenas 8% dos mais de 20 mil estabelecimentos de ES no Brasil começam com o intuito de trabalhar democraticamente em grupo. O que motiva as pessoas é ganhar melhor. Claro, isso é um dos focos, mas é preciso orientar, ensinar o que é a agroecologia, respeito aos gêneros, às distintas etnias, aos direitos dos trabalhadores. É a partir desses desafios que fazemos as transformações sociais. E tem dado certo.
Como isso funciona praticamente?

Um dos processos é a metodologia de incubação. O primeiro desafio é conhecer as pessoas, identificar os potenciais desse grupo. Nesse momento, não importa qual será a formalização, se vai ser uma cooperativa ou uma associação. Depois, vamos para o processo de capacitação, uma média de seis meses de oficinas e conversas. Quando tópicos como temáticas, limites e talentos são identificados, começamos a pensar a parte administrativa e detalhes como jornada de trabalho – afinal uma empresa que tem que ter um retorno na renda das pessoas.

E os resultados alcançados são positivos?
Gosto muito de um exemplo, que embora não seja recente, é muito forte pelos seus personagens e mostra que as mudanças são possíveis em qualquer situação. Em 1996, a prefeitura de João Pessoa entrou em contato com a Caritas, por que precisavam desativar o lixão do Roger, que ficava no centro da cidade. A questão era que lá viviam mais de 400 famílias de catadores. Aceitei a tarefa com a condição de ter autonomia. Queríamos trabalhar duas questões básicas. A primeira eram as moradias, que foram construídas em outro lugar. A segunda era o sistema produtivo. Os atores eram pessoas que não sabia ler nem escrever. Havia muitos acidentes na comunidade, especialmente com crianças, por causa dos garfos que eles usavam para mover o lixo. Para se ter uma ideia, conseguimos implantar a coleta de lixo seletiva em vários bairros de João Pessoa, gerenciada por esse movimento de catadores.

Como foi trabalhada a implementação do modelo de cooperativa?
Isso tem que acontecer em um processo formativo. Levamos dois deles para conhecer as experiências da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte, a Asmare, que já era conhecida internacionalmente. Trabalhamos com o princípio freiriano (de Paulo Freire) de educação, e ele chama isso de intercâmbio de aprendizado entre iguais. Uma coisa que me angustiava muito era ver que eles cozinhavam no lixo, mas nunca me senti no direito de falar isso com eles. Mas quando eles comentaram com os colegas de Belo Horizonte sobre isso, gerou-se um debate. Eles poderiam dizer que eu achava errado porque eu tinha o que comer. Mas quando alguém que está na mesma situação que eles diz isso, é diferente! Então, umas das estratégias formativas mais importantes é o intecâmbio, levar mulheres para conhecer mulheres, jovens para conhecer jovens. Quando implantamos a incubadora em Kassel, levamos dois alemães para o Incubes, em João Pessoa, e dois meninos de lá vieram para cá. Foram três meses de trocas. Isso é fantástico. Cursos e capacitações são importantes, mas a convivência entre as pessoas ensina muito sobre o que é trabalhar em grupo.

Hortas e jardins se tornam espaço de compartilhamento em Berlim

Na mesa, café, chá, frutas e um bolo de maçãs saído do forno. Ao redor dela, pessoas conversam e dividem os alimentos. O cenário é um jardim localizado em uma rua movimentada de Kreuzberg, que garante aos moradores da cidade o privilégio de ter contato com a terra, cultivá-la e colher os seu frutos, quando a natureza finalizar o seu trabalho. Mais ainda, propicia o contato com os vizinhos e a família. Em Berlim é cada vez mais frequente a criação de jardins coletivos, que se tornam um grande projeto de engajamento comunitário.

Aqui, o interesse é ocupar a cidade, disponibilizá-la a seus moradores. “A jardinagem não é o único objetivo: as pessoas querem trocar conhecimento umas com as outras, aprender coisas novas. É um projeto social, uma tarefa em que cada um é responsável por uma parte, todos devem contribuir. Isso é muito enriquecedor”, comenta Hanz Bauer, um dos responsáveis pelo Ton Steine Gärten. Cerca de 50 pessoas dividem esse espaço de cerca de 1.000 metros quadrados, e há ainda uma lista de espera.

É preciso também que se diga que nem tudo são flores. O Ton Steine Gärten, como muitos outros, é completamente aberto ao público. Muitas vezes, uma plantação de abobrinha ou de tomate cultivada semanas a fio desaparece sem deixar vestígios, deixando a pessoa que se dedicou a ela sem o fruto do seu trabalho. “Acontece. Somos também um projeto social, então prefiro pensar que talvez essa pessoa precisasse muito da comida. Mas claro, é desapontador”, pontua Hanz.

Perto, no Bunte Beete, crianças recebem dos pais as primeiras lições de como cultivar a terra. Aproveitam o contato com a natureza, fazem amigos. Anne Barbara, uma das organizadoras do jardim conta que, para quem tem família e filhos pequenos, o espaço é especialmente interessante. O lado difícil é que, como quase todo projeto coletivo, existem discordâncias: “Alguns trabalham pouco e outros trabalham muito. Mesmo assim, é recompensador ter acesso a uma horta dentro de Berlim”.

Voluntária em um jardim localizado nas proximidades da Warschauer Straße, Swantye Reuter ressalta que, ao mesmo tempo que se sente orgulhosa pelo bom trabalho e pelos elogios dos visitantes, eventualmente também se decepciona pela falta de cuidado de alguns, que pisoteiam os vegetais ou trazem animais que causam danos. Sob um pé de pêssegos e rodeada de ervas como lavanda e alecrim, ela explica que tudo é plantado em bases de madeira, já que o solo na área é contaminado por metais pesados como alumínio e chumbo. “A terra que usamos vem de fora daqui, para que possamos consumir os que plantamos. No caso das árvores é mais complicado, já que as raízes alcançam o solo”.

O mesmo acontece no jardim que fica no Tempelhofer Feld. No antigo aeroporto, não é permitido plantar diretamente no solo, mas sim em caixas de madeira – ou onde mais a imaginação permitir. Cerca de 25 pessoas dividem a tarefa de manter as plantas em forma. Alguns cuidam do cultivo, outros fazem a compostagem para garantir uma terra de boa qualidade para as plantações. Cerca de quatro vezes por ano, fazem um grande encontro para estabelecer vínculos e comemorar os resultados, que alegram também a vista dos frequentadores de um dos maiores espaços públicos de Berlim.

Solikon – O tour de bicicleta “Gemeinschaftsgärten als neue Allmenden” (Jardins coletivos como novos espaços comunitários) foi uma das atividades da Wandelwoche (Semana de Transformação) do Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin, cuja cobertura especial está sendo divulgada no site do CCBA.

As portas abertas do Kubiz

A casa é grande e nela cabe muita gente – e boas ideias. É em uma construção centenária que já foi uma escola e que fica perto de um dos lagos mais conhecidos da capital alemã que funciona o Kubiz, uma iniciativa de educação e cultura que congrega mais de 15 projetos sociais em suas espaçosas salas. A ideia surgiu no começo dos anos 2000, quando um grupo de pessoas resolveu aproveitar o espaço para torná-lo uma área democrática de acesso a educação e lazer, como alternativa ao estabelecimento de mais um empreendimento comercial na vizinhança.

“Queremos ser uma possibilidade para as pessoas do leste de Berlim e, especialmente, para os jovens. A nossa vizinhança está assentada em  uma área em que a maioria das pessoas têm uma ideologia conservadora. Aqui, eles têm a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre ideias antifascistas, antinazistas, antirracistas e democráticas”, explica um dos responsáveis pelo centro de cultura, Thorsten Lampe.  Ele conta que a tarefa não é fácil, mas necessária.

Em um passeio, é possível conhecer as antigas salas de aulas, que antes davam lugar a um modelo tradicional de ensino e agora são ocupadas  por grupos de ensino e produção de mídia alternativa, programas de educação, troca de experiências, teatro, biblioteca, cinema, uma área para ajudar pessoas a consertarem as suas bicicletas, uma loja de produtos usados que podem levados por qualquer pessoa, entre vários outros. As salas são alugadas aos grupos por um valor abaixo do praticado pela política imobiliária de Berlim. Mesmo assim, a quantia pode variar, dependendo das condições financeiras de cada um.

O quintal ao redor  garante uma pequena produção de vegetais ogânicos. Esses, mais alguns alimentos que são doados por supermercados próximos, abastecem uma cozinha comunitária. Tudo isso acontece em um modelo que desafia o conceito tradicional de hierarquia, já que não há uma gestão centralizada: todas as decisões são tomadas por um fórum composto pelos grupos que ocupam o Kubiz. Cooperaçao, ajuda mútua, partilha de recursos e intercâmbio de conhecimentos e experiências são a base do projeto.

A sobrevivência financeiras não é dos assuntos mais fáceis. Thorsten relata que o caixa do Kubiz – que é composto por doações dos participantes, visitantes e colaboradores – nunca chega exatamente no valor que eles precisam para pagar todas as necessidades. No entanto, os integrantes se desdobram para manter a estrutura funcionando, fazendo pequenos consertos e assumindo a manutenção. Mesmo com todas as dificuldades, as pessoas que fazem parte do Kubiz não pensam em desistir dele. “Este prédio nos foi doado temporariamente e temos mais dez anos até que essa condição seja reavaliada. Esperamos engajar a vizinhança em nossa causa e conseguir doações para adquirir ou alugar a casa e garantir que este continue sendo um espaço onde boas ideias e a democracia encontrem a liberdade”,  conta Thorsten. A visita ao Kubiz foi uma das atividades da Wandelwoche (Semana de Transformação) do Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin, que terá cobertura especial no site do CCBA.

Mais informações: http://solikon2015.org/de

 

Por uma nova economia de cooperação

De 05 a 13 de setembro acontece o Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin, que terá cobertura especial no site do CCBA

Com o lema “Wir können auch anders! Solidarische Ökonomie in der Praxis“ (Nós também podemos mudar! Economia Solidária na prática), começa neste sábado (04/09) o Kongress Solidarische Ökonomie und Transformation Berlin 2015, que vai discutir propostas para a construção de um novo modelo econômico. O encontro deve reunir mais de 1.000 pessoas e será dividido em duas etapas. Durante a Wandelwoche (Semana de transformação), de 05 a 09 de setembro, os participantes vão poder conhecer as iniciativas locais de economia solidária por meio de passeios a pé e de bicicleta.  De 09 a 13 de setembro, uma centena de fóruns e workshops  contarão com a participação de professores, trabalhadores, especialistas, interessados e curiosos de vários países do mundo.

Estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas sobrevivem de empreendimentos econômicos solidários no Brasil. O país é considerado um dos pioneiros na área,e a Alemanha quer ouvir mais sobre as experiências brasileiras e aprender novos caminhos. Paul Singer, secretário da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), e Rosangela Alves de Oliveira, professora da Universidade Federal de Natal, terão destaque na programação e irão levar as experiências nacionais para Berlim, que se destacam nas áreas de agricultura familiar, artesanato, moda e extrativismo.

A expressão economia solidária define o conjunto de atividades econômicas que envolvem desde produção a crédito, passando por distribuição e consumo que sejam organizadas sob a forma justa. Isso pressupõe uma gestão coletiva democrática, a distribuição da riqueza produzida, o compromisso com a comunidade local, com os movimentos sociais e com o meio ambiente, além do respeito aos direitos dos trabalhadores e consumidores. Sob essa ótica, serão discutidos no encontro não apenas o futuro de pequenas empresas que optam por esse caminho mas também as possibilidades de cooperação internacional, exploração de conhecimento livre e o uso responsável de recursos naturais. A cobertura do Congresso será apresentada na íntegra no site do CCBA, que realizará em outubro a Semana de Economia Social, Solidária e Sustentável no Recife.

Mais informações: http://solikon2015.org/de

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